Laços rompidos

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Sabe... As vezes não são as borboletas no estômago que te dizem que você está apaixonada, mas sim, a dor causada por essa paixão.
Depois de uma longa noite dividida entre choros e crises de ansiedade, eu finalmente consegui dormir.
Logo cedo, pela manhã, sinto a luz do dia entrando sorrateiramente, através dos vidros finos, da janela, me deixando com visão turva, por alguns segundos. Enquanto lutava para abrir os olhos, suspiro pesadamente, mentalisando que deveria lembrar de fechar as cortinas, mais tarte, para evitar acasos como aquele.
Passo a mão pelo meu rosto, provavelmente inchado e com olheiras profundas. Sinto as pontadas indelicadas de dor na minha cabeça, se expandirem de forma rápida.
Lembro-me da noite passada, das atitudes estúpidas de Travis. "Como alguém que havia se mostrado tão diferente podia ter sido transformado assim tão repentinamente?Bom, talvez fosse a bebida...", as palavras voavam e queimavam minha cabeça, enquanto colocava meus pés no chão gelado, me arrastando para o banheiro.
Eu não me sentia disposta a ir a escola, mas enquanto meu auto-cuidado dizia "fique em casa e descanse", meu super ego e falta de consideração comigo mesma, gritavam que eu necessitava ir para a escola e não perder matéria.
Não demorou muito tempo para eu ficar pronta. Um sueter marrom, de mangas longas e uma saia jeans, não muito curta, fizeram par com minha inseparável botinha preta.
Me olho no espelho, apertando o pingente de coração no colar exposto em meu pescoço. Naquela tarde eu iria ver meu avô e isso, ao mesmo tempo que me causava ansiedade, me trazia um tanto de calma. Saber que eu ia poder ver seu rosto amigo, conversar com ele sobre os acontecimentos recentes e receber seus sábios conselhos, me fazia sentir cômoda.
Caminho para fora do quarto, rumando meus passos a cozinha. O café, como sempre, estava quente e pronto para ser servido, na mesa, mas diferente dos outros dias, mamãe havia preparado um sanduíche natural e deixado sobre a mesa.
Sento em uma das inúmeras cadeiras ao redor da belíssima mesa e me alimento, mesmo sem muita vontade. Quando termino, sem pressa lavo a louça suja e as seco, as guardando no armário de louças.
Ouço meu celular soltar alguns barulhos, enquanto se remexia, sobre a mesa e solto um longo suspiro, temendo meu próprio pensamento, em especulação se a ligação seria de Travis.
Me aproximo do celular em passos vagarosos, o encarando por alguns segundos. As letras em frente a tela reluzente diziam que se tratava do número do hospital de onde meu avô estava internado. De repente, meu temor só se intensificou e ansiedade já corroia meu peito. Eu estava paralisada, estava com medo de atender e ouvir as palavras que tanto temia, mas sabia que isso ia acontecer e desde já, estava em negação.
Fecho os olhos por alguns segundos, tendo minha mente bloqueada por imagens rápidas, de memórias que tinha com meu avô, desde que me conheço por gente.
Respiro profundamente e uma lágrima escorre pelo meu rosto, enquanto abro os olhos e me esquivo para pegar o celular em minhas macias mãos.
-A-alô?-Digo, em meio a um rápido gaguejo. Almejando pela rápida resposta de quem me ligara, rezando mentalmente para que eu estivesse errada sobre aquele pressentimento que me encolhia o coração.
-Oi, é a Alice Hale?-A voz grossa do outro lado da linha, ditou suas palavras de forma clássica.
-Sim...-Digo, pausadamente.-Aconteceu algo?
-Bom... Seu avô pediu para eu ligar. Ele teve mais duas convulsões pela madrugada e uma delas o resultou em um coma de três horas...-Ele seguiu falando calmamente, enquanto eu já me encontrava em um estado catatônico.-Ele acordou à algum tempo.-Ele solta um longo suspiro.-Tentamos manter ele fora dos aparelhos respiratórios mas não teve chance. Fizemos alguns exames e a situação dele não é nada boa... Falamos sobre isso com ele e ele...-Ele coçou a garganta com uma leve tosse. Me perguntava porque seu tom passara de tão calma a nervoso da tal forma que estava.-Ele decidiu desligar os aparelhos que o mantém vivo e descansar, Alice... Eu sinto muito!-O doutor falou e eu não podia acreditar. Como meu avô pudera tomar uma decisão daquelas?!Eu não conseguiria viver sem ele.-Mas você ainda pode vir para cá e se despedir... Combinamos de declarar óbito por volta das oito horas.-Minha respiração estava completamente descompaçada, uma onda de desespero se alastrava por cada célula do meu corpo.
Algumas lágrimas rolavam pelo meu rosto enquanto eu raciocinava todas aquela informações. Eu precisava chegar ao hospital imediatamente.
Desligo o celular rapidamente, sem sequer olhar para a tela e caminho em passos ágeis e desesperados, até a porta, saindo o mais rápido possível da casa.
Eu corria descontroladamente, pelas ruas de San Diego, com apenas um único objetivo, de chegar o mais rápido possível no hospital onde meu avô estava.
Meus pensamentos corriam em círculos como um trem de brinquedo. Eu estava tão agitada e desconexa com o mundo, que nem ao menos reagi, quando um potente ronco de motor passou próximo à mim, quase me atropelando.
Escuto uma voz masculina gritar algo que nem me preocupei em tentar entender. Suas palavras pareciam estar sendo destinadas a mim, mas eu as ignorei com êxito, seguido meu caminho.
Demorei mais dez minutos para andar rapidamente, 6 quadras à frente, finalmente chegando ao enorme hospital. Minhas pernas doíam e minha cabeça explodia pelo choro excessivo, enquanto as pessoas na recepção me encaravam, destinando-me olhares divididos entre pena e curiosidade.
Sigo para o quarto de vovô, ignorando as orientações da recepcionista. Adentro o quarto de cor azul clara, iluminado pelas luzes florescentes que ali habitavam, sem nem olhar para os lados, apenas indo direto para a cama, onde Henrik permanecia deitado, quase imóvel. Ele estava de olhos fechados e isso me deixava ainda mais desesperada, enquanto me perguntava se havia chegado tarde demais.
-Vovô?-Chamo, com mais lágrimas transbordando em meus olhos.
-Lily...-Ele diz, em um tom carinhoso como sempre, enquanto abria os olhos para me encarar, dentre um longo suspiro.
O abracei fortemente como se meu mundo estivesse desabando.
-Chega, Alice!-Uma voz masculina diz, me puxando para trás, com certa força. Fico surpresa ao perceber que se tratava de Daniel, afinal, eu nem havia notado sua presença ali, mas agora, me perguntava como ele fora capaz de tentar me tirar de perto do meu avô e como ele pudera não me avisar sobre tais fatos.
-Solte minha neta, Daniel!-Henrik ordenou, revirando os olhos para o filho. Ele parecia estar perdendo as forças a cada segundo que se passava.-Lily...-Ele soltou um breve sussurro, me chamando de volta para junto de si.
-Os médicos já deram o sedativo à ele, Alice...-Eu pude ouvir a voz devastada de Cleo, ditar.
-Por favor... Não me deixe, vovô.-Eu disse, recaindo entre as lágrimas.
-Oh minha bondosa e valente princesa... Eu queria poder ficar um pouco mais, mas acho que sua avó já está me esperando à algum tempo.-Ele diz, soltando um sorriso bobo, seguido de um longo suspiro.-Eu não queria que tivesse que me ver assim, mas eu não podia arriscar deixar esse mundo sem que meu último olhar fosse destinado ao seu belo rosto, minha neta...
-Vovô, por favor...-Sussuro, ao ver seus olhos já semi fechados.-Eu te amo!
-Eu também te amo...-Suas palavras foram sumindo aos poucos enquanto ele caia profundamente em um sono tranquilo.
O médico adentra o quarto em passos lerdos, observando o relógio no pulso, acompanhado de uma enfermeira.
Meu coração acelerou e doeu, ao mesmo tempo, sabendo que havia chegado a hora de dizer adeus de uma vez por todas...
A enfermeira de cabelos loiros passou ao meu lado, indo em direção aos aparelhos, no canto do quarto. Eu sabia o que ela iria fazer, mas também sabia que não estava preparada para aquilo.
-Espera!-A voz de Cleo surgiu de repente, chamando minha atenção.-Tenho cuidado do Sr.Hale por mais de 8 anos...-Ela diz se aproximando de mim, tocando meu ombro.-Acho que eu é que deveria fazer isso.
A enfermeira de olhos castanhos se virou para encarar a Cleo e a mim. Ela parecia esperar por uma confirmação minha, para que ela permitisse que Cleo desligasse os aparelhos e eu a concedi.
Respiro fundo, vendo Cleo começar um lendo processo, de desconectar cabos que eu não sabia exatamente para que serviam, até chegar ao oxigênio, quando seus trêmulos dedos terminaram o minucioso processo, não demorou até os batimentos cardíacos de vovô começarem a cair.
Lágrimas espessas rolavam cada vez mais, pelo meu rosto, enquanto um desespero sem precendentes, crescia em mim.
O sinal insurdecedor invadiu meus ouvidos, um aviso doloroso de que meu avô havia partido.
-Hora do óbito...-O médico começou a falar, mas eu não conseguiria me manter ali, para ouvi-lo declarar a morte de meu amado avô. Então, eu sai do quarto, em passos ligeiros. Atravesso a abertura da porta, me escorando pelas paredes, enquanto buscava firmeza em meus passos, já desmoronando em lágrimas novamente, quando pude sentir braços familiares confortarem meu corpo, em um carinhoso abraço. Eu não precisava nem olhar para o seu rosto, para saber de quem se tratava. Era estranho como que com um simples abraço reconfortante, Travis fazia sumir toda aquela angústia que me causara no outro dia. Me perguntava como ele surgira ali, tão de repente, mas isso já não importava, pois no momento, ele fora o único capaz de me confortar em um momento tão terrível, da única forma que eu precisava... Em um caloroso abraço.
O tempo passou tão rapidamente que eu nem havia percebido, enquanto ainda me encontrava aconchegada no abraço quente de Travis.
-Você supera rápido, não é mesmo, Sis?-A voz aguda de Savannah surgiu de surpresa, atingindo meus tímpanos de forma tenebrosa.-O vovô acabou de morrer e você já está toda contente de agarramento com o Collins.
Travis revira os olhos, enquanto solta um suave suspiro.-Cala a boca, Savannah!
Suspiro profundamente, tentando conter a raiva que gritava para se esvair de mim.
-Me leva para casa?-Digo, enquanto travo meus olhar sobre Travis, ignorando completamente a inconveniente presença de Savannah.
-Claro...-Travis responde em um breve sussurro. Ele me apoia, enquanto me ajuda a levantar-me do chão, onde estávamos abraçados. Eu senti cada célula do meu corpo falhar miseravelmente, enquanto levantava. Era uma sensação estranha que me aterrorizava, mas não mais do que o fato de eu ter perdido a pessoa que eu mais amava no mundo.
Solto um longo suspiro, ao pensar que talvez devesse ligar para a minha mãe e avisa-la do ocorrido, mas logo desisto da idéia, pois não achava que era um assunto para se falar por telefone.
-Vamos?-Travis falou, ao começar a destinar alguns largos passos, pelo extenso corredor. Eu apenas concordei, com a cabeça, passando a segui-lo.
Nós andamos rapidamente em direção à saída do hospital e sem muita dificuldade, logo encontramos o charmoso carro de Travis, o qual adentramos e imediatamente começamos a nos deslocar pelas ruas da cidade. O ar dentro do carro se destacava um tanto gélido.

Glass HeartWhere stories live. Discover now