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Ouço meu celular vibrar incansavelmente na minha cabeceira, enquanto pequenos feixes de sol tentam entrar pela frente da minha cortina. Estico meu braço para alcançá - lo antes que ele resolva se suicidar. Olha a hora e sei que deveria levantar, mas meu corpo parece não concordar com meu subconsciente, pois eu continuo deitada em minha confortável cama. Talvez eu possa fechar meus olhos só por alguns minutos e depois levantar, mas antes que eu possa enviar essa mensagem ao meu cérebro.

Minha linda gata resolveu que seria uma ótima ideia deitar sua bela bunda na minha cara e ali ficar. - Bom dia para você também Luna. Ela em resposta só ajeitou melhor seu corpo na minha cara e ali ficou. - Sério querida?

Ouço seu miado em repreensão por tirá- la do local confortável que ela achou naquela manhã. - Me desculpe, mas do mesmo modo que eu não posso passar minha manhã de sexta - feira na cama, a senhorita não pode dormir na minha cara. Após sair do banho visto uma calça alfaiate preta cintura alta e pego uma das minha inúmeras camisetas com frases engraçadas, debochadas e irônicas. Eu preciso de uma paz interior, algo para me fazer rir no final do dia, ainda mais quando eu terei que encarar a cara da dona Sophia Evans. Olho minha camiseta branca no espelho do quarto, com a frase "I'm going to hell in EVERY religion." (Eu vou para o inferno em QUALQUER religião.) Sorrio ao ler, isso vai ser interessante.

Após tomar meu chá matinal, arrumo a comida e água da minha gata, pego minhas coisas e vou no meu humilde carrinho - era um Captur vermelho 2015. - Meu único bebê que tenho, depois de Luna, e estou muito mais que grata com estes filhos. O que não é a mesma opinião que minha mãe tem de mim, na verdade dificilmente ela concorda em algo comigo desde que me conhece por gente.

A primeira vez que ela resolveu discordar da minha opinião,foi há mais de 10 anos atrás, quando eu tinha quase vinte anos - e meu pai ainda era vivo - e eu resolvi que contar ter passado no concurso da polícia no mesmo dia que decidi minha sexualidade, erro grande. O jantar virou um pandemônio, eu acho que só não sofri ameaça de morte porque meu pai, o homem mais sensato e único que acreditava no meu potencial e em mim mesma, estava presente. Meu Deus como sinto sua falta, cada dia da minha vida, se eu não desisti de tudo ainda é porque eu acredito que ele zela e acredita em mim seja lá onde ele esteja nesse momento.

Enfim, eu contei que passei no concurso da polícia, então isso significa algo bom certo? Afinal não é algo fácil, e seria o orgulho de toda família. Totalmente errado, minha mãe era uma religiosa daquelas estúpidas, não estou ofendendo ninguém. Acredito em Deus, maria e toda sua história, às vezes até falo com ele enquanto ando na rua. Mas minha mãe ela seguia tão fielmente a bíblia que até um padre era capaz de chamá - la de estúpida, se ele fosse sincero e debochado como eu. Minha mãe acreditava naquela ladainha que mulheres nasceram para trabalhar no que as define feminino, e ser policial era algo - que em sua opinião - não entrava nem se fosse feito um novo testamento versão século vinte um. Então se com a notícia do concurso foi essa mini bomba, já se pode imaginar o resultado de juntar isso com o fato de eu assumir minha sexualidade, foi como se a sagrada família fosse os judeus e eu a própria alemanha dizimando tudo que via pela frente, parece exagerado eu sei, mas foi assim que minha mãe enxergou quando eu disse a todos. - Eu enfim me entendi, eu sou bissexual.

Meu irmão deu uma leve tossida, e comentou algo que dizia que já era óbvio, meu pai me mostrou seu sorriso mais terno e completou dizendo - Não importa o que você é, quem você ame ou como o faz. Você sempre será minha filha de qualquer maneira e irei te amar como tal. Eu já ia me levantar e abraçá - lo, mas os gritos que saíram da mulher a minha frente podiam ter sido ouvidos até a rua de baixo, acuso dizer que se uma ambulância passasse no local no momento iriam vir perguntar "quem morreu?"

E essa foi a primeira vez que ela discordou com mil protestos e argumentos minha decisão, fazer isso no meu dia - a - dia já havia virado uma rotina, tanto para ela, tanto para qualquer a minha volta que acompanhava essa saga que era ser a ovelha negra de dona Sophia.

Ovelha negra parece algo mórbido, mas foi assim que ela me fez sentir com o passar do tempo. Desde pequena parecia que eu não pertencia aquele lugar, que eu era um intrusa na sua vida, mas meu pai sempre me mostrou o contrário, por isso muita vezes me fiz pensar que era só algo da minha cabeça que inventei para justificar as birras que criei.

Mas ao perder meu pai aos vinte dois anos, foi como se a goteira que caia sobre minha cabeça, abrisse finalmente e viesse agora em avalanches grandes e generosas.

Eu acabei saindo de casa, pois viver na mesma casa que ela era quase impossível. Meu irmão me apoiava, mas quase não parava em casa pois estava no fim do colegial e tinha conseguido uma bolsa de estudos para uma ótima faculdade em Massachusetts, então era só eu e ela naquela casa, que mais parecia uma mansão quando vazia. Ao sair de casa resolvi cursar arquitetura para agradar ela - outro grande erro, agradar os outros sem pensar em si mesma. Infelizmente eu ainda não tinha conhecido o amor próprio. Mas isso mudou quando joguei café na mulher que me apresentou isso, e eu a apresentei a força, Elisa não é minha irmã de sangue, mas se ela precisar eu dou o meu de bom grado sem pensar duas vezes. Após isso fiz uma pós e especialização em designers de interiores, e pouco tempo depois assumi a empresa da família junto com meu irmão.

Porém a mulher continua a discordar de mim, e por isso que me arrasto para a sala de reuniões neste momento. Estou adiando, minha próximas quatro horas trancada naquela sala olhando para cara da mulher que me gerou, mas nunca fez questão de mostrar isso para o mundo. 




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O mistério de GraceWhere stories live. Discover now