IV | A Rogada

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Repentinamente, sua respiração acelerou. Seu tórax subia e descia tão rápido quanto se podia imaginar. Ar lhe faltava. Conforme este saía de sua boca, uma fina nuvem se formava a centímetros de sua face, contudo, sumiam numa fração de segundos quando Selena passava por elas. Não sabia o que sentir. O que ver. Nada, além de correr. Do que corria? Sabia que não tinha tempo para ver o que a perseguia. Entretanto, tinha uma noção. A fera era rápida e não tropeçava em nenhuma das raízes das árvores emergindo da terra. A fome era o combustível que o impulsionava a correr. E o alvo era ela.

De início pensou ser apenas um flash, contudo, com um breve vislumbre, identificou que suas mãos começaram a brilhar, a serem engolidas por uma luz prateada e forte que avançavam sobre sua pele. Esperava o arder sobre a pele, como é sentido quando se está pegando fogo, entretanto sensação nenhuma lhe sobreveio quando isto lhe ocorreu. Tal luminosidade foi tomando-a por inteiro até notar que seus cabelos, antes castanhos, agora brilhavam como prata polida. Os pés de Selena já não tocavam mais o chão a certo ponto. O céu estrelado era seu destino final. Só então, Selena pôde ver a fera. Um lobo, maior que ela mesma. Tinha grandes olhos vermelhos e brilhantes. O pelo era tão negro quanto a escuridão da floresta; linhas rubras rodeavam a pelugem.

Do outro lado, erguendo-se no horizonte, vinha o sol. Seguindo-o, sedento, vinha um lobo tão grande quanto o lobo negro, no entanto, este possuía uma pelugem branca com linhas tortuosas e tão azuis quanto os seus olhos.

Só então, Selena deu por si de que havia se transformado na lua. Juntos, os lobos saltaram na direção de cada um dos corpos celestes. A feroz boca do animal abriu e antes que pudesse tocá-la, tudo parou.

Selena se levantou da cama, assustada. Não havia ninguém por perto. Estava de volta a seu quarto e, ao olhar para a janela, viu que era noite. A luz perpassava a fresta da porta iluminando um pouco o lugar, contudo, não era esta a fonte de luz que atraía seus olhos. As tais esferas de luz estavam ali, a alguns passos à frente. Selena se aproximou delas e elas se moveram. Possuindo um medo irracional de perdê-las, permaneceu parada por um tempo, tempo este que não durou muito, pois não foi necessário que Selena se movesse para que as esferas flutuassem para o outro lado da porta. Selena as seguiu, é claro. E dançando como uma bailarina ao som de Mozart, as luzes foram até o alçapão que dava no sótão da casa e atravessaram-no.

Num salto, Selena agarrou a porta do alçapão e o abriu, revelando uma escada que levava até o nível acima.

— O que está fazendo? — irrompeu a voz de Artur.

Selena o ignorou. Subia a escada degrau por degrau, atenta para não pisar em falso. No fim desta encontrava-se o sótão, escuro e poeirento. Por um instante, se perguntou se era aquilo que deveria fazer. É desaconselhável segui-las, querida, sobreveio a voz do vovô em sua mente. Pela primeira vez não ia dar ouvido ao que havia dito.

Uma mão segurou firme a sua perna.

— Conte-me o que planeja fazer aí — insistiu Artur. Podia ter dezesseis anos e a voz de um adulto, entretanto, não possuía ar algum de autoridade.
Selena puxou sua perna e continuou a subir.

— Vovó disse que nos deixaria visitar o sótão, não disse? — lembrou a ele embora não fosse este o real motivo de estar indo até lá.

Quando chegou ao sótão, as esferas flutuaram até um baú oculto por um velho lençol branco e ao abri-lo, haviam desaparecido. Talvez quisessem que ela soubesse de algo sobre o que havia naquele velho baú, pois nele haviam vários livros. Ao olhar para trás, todos os seus primos já estavam ali, como era de se esperar.

Àquela altura, Henry estava escalando as prateleiras para alcançar um velho brinquedo que lhe chamou a atenção.

Artur aproveitou que as crianças não estavam por perto e se aproximou de Selena.

Princesa de Gelo: O Legado da Aurora [Vol 1]Where stories live. Discover now