Capítulo XXVII - Inscrito na parede

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A essência de verânea possuía um aroma inebriante como o de muitos jasmins, e Selena agradecia a esta por sua eficiência em inibir o etéreo odor de bálsamo que emanava do corpo do álfar morto. A Lady Edrivard orientou a todos a tomarem uma erva antes de entrarem na sala de tanatologia, o que impedia os de estômago fraco a sujarem a sala ao presenciarem a dissecação do defunto. Não estava nem um pouco animada. Questionava seriamente por qual razão a aula devia ser justo após o almoço. Só de sondar as ferramentas para abrir as entranhas do ser, seu estômago revirou.

O escolhido a dar as honras foi Mikane; era o único que se entretinha com a aula. Possuía a mais absoluta certeza que jamais se tornaria uma cirurgiã se houvesse oportunidade naquele mundo, tal como teria ficado de estômago vazio caso se recusasse a tomar as nada agradáveis ervas. Com luvas de couro nas mãos, Mikane levou o afiado bisturi ao tórax do defunto e seu corte foi como quando se abre uma casca de banana, mas a pior parte foi ter que olhar para o que identificou rapidamente serem as costelas. Não acreditava no que estava vendo. Apesar disso, a professora a convenceu de que sua visão era real ao, com as mãos também protegidas por luvas, abrir a cavidade peitoral e cortando algo ali dentro, apresentar a todos o coração de um álfar, tão semelhante quanto o de um ser-humano, no entanto, um pouco maior.

Do outro lado da sala, Maryen e Aliv não conseguiam segurar a ânsia que sentiam. Sozinha, Juliet tentava ajudá-las, em vão. E a cada tentativa fracassada suas de regurgitar, mais enjoos vinham sobre Selena.

— Dalie, eu não vou aguentar por muito tempo... — sussurrou, cruzando o braço no seu.

Dalienne há muito havia perdido a cor do rosto. Absorta, mal piscava ou tirava o olho do órgão, que estava sendo posto no pote para ser conservado.

— Parem de frescura, nem dá para sentir o cheiro — comentou Hendrik bem atrás delas. — Olha o próximo saindo do forno...

Era o diafragma. A professora depositou o órgão sobre uma tábua ao lado e para seu eterno desejo em ter aquela memória apagada da sua mente, abriu-o, saindo um pouco de sangue.

— Há quanto tempo esse álfar morreu? — questionou Donaran.

— Quinze davs. Parece que está apenas dormindo, não é? — Lady Edrivard usava um óculos que a deixava mais semelhante ainda a um cientista maluco com aquelas lentes fundo de garrafa colados a uma armação estilo steampunk de couro. — O bálsamo de oliva e flor-de-círea são tão eficientes em conserva que esse daqui poderia levantar da mesa e sair andando normalmente que ninguém notaria ser um morto-vivo...

Imediatamente, todos recuaram um passo, e até Mikane segurou com firmeza o bisturi.

— Acalmem-se. O Sr. Convaley foi um bom homem em vida, era jardineiro... Foi ele mesmo que cedeu suas flores-de-círea para que pudesse ser produzido o bálsamo.

Não queria se aprofundar no assunto. "Deixe o que está morto permanecer morto" dizia vovó Gwen. Apesar de tudo, o assunto da aula era sobre exatamente o bálsamo de conserva, o que tornava impossível cumprir aquela máxima. Segundo a professora, todos escudeiros deveriam possuir esses dois ingredientes em seus suprimentos caso testemunhassem a morte de um aliado, ou seja, seu cavaleiro, tudo em nome da permissão de passagem para Alphard, o paraíso celestial daquele mundo.

— O Sr. Convaley agora descansa à mesa de Orion e Illídia graças a conservação do seu corpo. Creio que todos já sabem que um corpo deve permanecer no mínimo por cinco davs sem nenhum sinal de decomposição. Só assim, podemos queimá-lo, como costumamos fazer nas cerimônias de partida. Então é dever de vocês que as almas de seus senhores adentrem Alphard e sejam abençoados com anos de vida.

Princesa de Gelo: O Legado da Aurora [Vol 1]Where stories live. Discover now