Capítulo XXX - Impasse

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A sopa quente podia amenizar a dor que Selena sentia na garganta, mas não impedia o incômodo que lhe sobrevinha ao deglutir. Era como ter envolvido sobre sua gorja uma corda amarrada. As tosses secas somente pioravam tudo.

Acreditava no sincero arrependimento que Lynn demonstrou ter ao lhe pedir perdão, quando finalmente saiu do estado de entorpecimento que sempre lhe ocorria após recobrar a consciência. Apesar das desavenças, perdoou-lhe; sabia que havia sido Malthor a lhe dirigir a palavra. Eu tenho ódio, relembrava sua mente; as palavras lha haviam marcado sobremaneira que parecia terem sido feitas a ferro quente na sua alma. Sempre que reverberava mais uma vez as palavras, sentia seu coração descompassar e a respiração acelerar, preparada caso o evento voltasse a acontecer, embora no fundo soubesse que não.

Àquela altura, a gola de seu casaco estava, em parte, úmida, em decorrência do pano banhado a água morna envolto no pescoço. Ao menos escondia o hematoma em forma de mão de Barney, que acreditava em uma mentira contada pelo avô.

Esperava a todo instante ouvir os brados de repreensão do cavaleiro, o que não houve. Seu silêncio era o suficiente para esclarecer que ela devia ter lhe dado ouvidos.

Jantavam à mesa e de onde Selena estava, podia ver que a luta antes dela chegar havia sido violenta. Sir Beorren carregava marcas de arranhões no braço, naquele momento, já secas as feridas. Christopher havia embebido álcool num corte que abriu as costas da mão e tentava a todo custo não mostrar que sentia dor no pulso, mesmo havendo um hematoma quase negro nele. Apreensiva, Lynn tomava a sopa com os olhos fitos no seu próprio prato. Não queria estar no lugar dela com, sem sombras de dúvida, toda a acusação que bombardeava sua consciência. Vez ou outra, notava que lágrimas transbordavam em sua vista e toda vez que um escapava, ela limpava.

O silêncio imperou sobre todos até que entrassem em seus quartos e se isolassem. Não tardou em dentro de instantes, Selena ouvir roncos virem dos quartos. Apesar disso, ela não pregou os olhos em nenhum momento sequer e faltou seu coração pular para fora do corpo quando uma sombra passou na janela. Aliviou-se ao identificar que era seu lince querendo entrar.

- Entre debaixo da coberta - ciciou para ele, que, todavia, preferiu descansar sobre a coberta nos seus pés.

Observando Sombra dormir, lembrou-se que podia mandar uma mensagem aos amigos sobre o ocorrido. Correu para pegar uma folha e um tinteiro. Não fazia ideia como encontraria os itens, porém, ao abrir a primeira gaveta da cômoda perto do poleiro das corujas, havia tudo que precisava.

Foi breve em suas palavras, contando detalhe por detalhe e até mesmo sobre a ideia que havia tido ao conversar com Christopher - fogo e calor deviam ser a fraqueza dos seres. Embora as lágrimas lhe cobrissem o rosto com a conclusão da qual não queria chegar, tinha que dar um fim no colar o mais breve possível. Minha mãe não se resume a esse colar, repetia a si mesma, não obstante, lhe significasse os pais que jamais conheceu. Mas tinha que quebrar aquela maldição; muitas vidas haviam sido pagas somente para mantê-lo distante das mãos dos tenebraes.

Sabia que Sombra iria ficar zangado por desperta-lo da sua breve soneca, todavia, devia fazê-lo. Foi à cozinha pegar uma carne crua de lebre a fim de desperta-lo com o cheiro, o que deu certo.

- Muito bem, Sombra. Preciso que leve essa carta a Hendrik, já está escrito que Dalie também deve ler, ainda hoje, após ele terminar. Então leve a ela, depois dele, okay? - Deu um beijo nele, antes de abrir a janela para ele passar. - Volte ainda hoje - despediu-se.

Avezada a levar a mão ao pescoço a fim de segurar seu colar, esqueceu-se que ele havia arrebentado e estava ao lado do seu travesseiro.

Aquele era o momento. Sem sono e sem ninguém por perto, sentia-se livre para rogar a Kyrios que aparecesse. Precisava dele. Agora.

Princesa de Gelo: O Legado da Aurora [Vol 1]Where stories live. Discover now