Cap. 59

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Para Talita; os traços do rosto de Ane nunca pareceram tão iluminados, na penumbra do quarto de hotel, naquela noite em Boston, nos EUA. O passeio pela cidade foi agradável sob as cores e o clima de outono. Ane ficou bem surpresa quando Talita revelou um inglês fluente no turismo. Não sabendo ela que o responsável era Dimitri, um poliglota, devido as suas inúmeras encarnações em diversos países do globo terrestre.

O combinado foi que elas retornariam para o Brasil no vôo da manhã do dia seguinte. Mas, infelizmente, Ane não gozaria mais de sua companhia.

Sentada em uma poltrona em frente a confortável cama; onde Ane dorme profunda, porém serenamente, redige silenciosamente uma carta de despedida. Formular e escrever um adeus é mais difícil do que a vaqueira imaginara. As graciosas curvas de sua eterna sardentinha, expostas para sua admiração, lhe convidam a fixar moradia no calor, e no perfume que sua pele proporciona, trazendo segurança e alegria, sem ousar se mudar. A coluna exposta, os braços estendidos preguiçosamente em cima do travesseiro, com apenas um lençol cobrindo suas partes íntimas, que mesmo depois de explorá-las causa-lhe sempre sensações diferentes, novas e deliciosas, a compele a permanecer e viver intensamente o casamento.

A tinta da caneta borrou uma das linhas, por pressionar o papel em alheamento.

Como dizer através de um texto que vai embora, e que dependendo dos acontecimentos talvez não volte mais para a única mulher que ama? Qualquer um que olhe de fora a julgaria sem procurar compreender seus reais motivos. Se alguém pudesse possuir seus pensamentos, seu corpo, e seus sentimentos saberia que estava se sacrificando exatamente pelo amor que a tem. No entanto, isso é impossível. E mesmo que evite, se sente como uma cafajeste de abandoná-la no final da lua de mel, que acabará por se tornar uma lua banhada em lágrimas de sangue. O que está prestes a fazer é imperdoável mesmo que munido pela melhor das intenções. Somente Dimitri tem noção do sofrimento que rasga seu âmago. Só que não pode esperar consolo vindo de um espírito marcado pelo egoísmo e tirania. Ele apenas ria debochadamente da forma com que as pessoas se apegam umas as outras com medo de ficarem sozinhas. Sente que está sendo contaminada por essas teorias cruéis. Teme que não consiga mais controlar as suas próprias convicções, e perder definitivamente sua individualidade.

Os cinco últimos dias foram insuficientes para demonstrar suas emoções para Ane. Partilhar os momentos com os amigos e familiares lhe fez esquecer do compromisso com a entidade, da partida, e da missão que teria que realizar. A festa foi imensamente proveitosa. Vê-los se esbaldando nos comes e bebes, dançando bêbados, e falando besteiras foi impagável. Principalmente quando saíram trôpegos do jardim em direção dos aposentos onde dormiram.
No domingo aproveitaram o dia para farrear na cachoeira, montar a cavalo, e se divertirem ao máximo utilizando os simples, mais satisfatórios entretenimentos da cidade.

A felicidade maior foi a de Ane recuperar a visão. Foi óbvio para todos que sabiam dos dons curadores de Talita, mas para as outras pessoas que ignoravam isto, ficou tido como o milagre do amor. Primeiro; curar Marjorie teve um efeito absurdamente exultante na vaqueira, depois com Ane, o anseio foi indescritível.

Aprendera em poucos dias a desenvolver e a manipular o magnetismo ao seu favor com Dimitri, e isso era gratificante. Contudo; foi uma pena que Marjorie, Geovane e Laine não puderam comparecer na cerimônia com receio da reação dos entes próximos. Afinal, não era todo dia que alguém se curava de uma paraplegia irreversível! Eles decidiram manter em segredo ao menos por enquanto, para evitarem interrogatórios e mistificações religiosas, ou científicas para tentarem explicar o fato aparentemente inexplicável.

Ane desperta por um milésimo, se remexe no leito, apalpa o colchão em busca do corpo de Talita e resmunga:

- Talita, amor... Vem pra cama dormir.

Minha Cowgirl na Cidade ( Sáfico) Onde histórias criam vida. Descubra agora