Capítulo 1

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Matteo

Balanço o pequeno copo de whisky preguiçosamente entre os meus dedos enquanto observo dezenas de corpos amontoados dançando. Estou no último banco do bar, na área mais escura, mais afastada, porque não quero companhia. Não quero ser visto. Quero apenas sentir a bebida queimando minha garganta e fazendo desaparecer – pelo menos, por um pouco de tempo – a merda que vivi nos últimos sete anos.

A música alta estoura por todos os lados da boate e franzo a testa incomodado. Minha cabeça gira e não sei se é pelo barulho enlouquecedor ou só efeito do álcool. Não sei como essas pessoas conseguem frequentar lugares assim o todo tempo. É muita coisa ao mesmo tempo. Risadas, gritos histéricos, pegação e muito, muito calor. Estou começando a me arrepender dessa decisão. Ficar bêbado sozinho e isolado teria seria a escolha certa.

Uma morena começar a caminhar na minha direção como uma tigresa e balanço a cabeça em negação. Seu sorriso pequeno e cheio de insinuação vai sumindo ao perceber meu desinteresse. A garota é linda, e, sem dúvida, traria um grande alívio para meu corpo cansado essa noite, mas a garrafa de Whisky é minha escolhida de hoje. Silenciosa e mágica. Apenas uns bons goles e pronto. Estou amortecido e satisfeito.

Levanto o dedo e sou prontamente atendido, e como um gênio, o barman aparece rapidamente. Não porque aqui está vazio e com tempo ocioso, na verdade, essa porra está lotada de gente, mas quando cheguei mais cedo, escoltado por seis soldados, as coisas ficaram mais fáceis. Medo ou respeito, não sei. Ser o capo da Cosa mostra tem esse efeito.
Não dou a mínima na verdade, desde que recebo o que peço.

Outra dose e mais uma dose.

Vou tomar uma por cada ano que passei longe. Estou comemorando.

Meu irmão, Tony, foi embora há algumas semanas. O cara foi viver sua vida com a garota dos seus sonhos, nada mais justo. Ele também teve sua cota de sofrimento e merece a calma de uma vida tranquila, e longe de toda essa instabilidade.

Sinto o líquido começar seu trabalho no meu corpo, deixando tudo menos pesado e mais calmo, mais suportável. Fico em pé e deixo uma nota embaixo do copo, saindo devagar e despreocupado. E como sombras, meus homens me seguem.

Dirijo entre as ruas de Sicília, com a escuridão da madrugada ao meu lado. Já me acostumei com a solidão e nem sempre é solitário. Às vezes, traz até uma certa paz. Eu vejo essa solidão como liberdade e nada poderia me alegrar mais. Liberdade.

Quando estou sozinho não existe conversa. Não existe papo furado e nem meias palavras. E, isso é exatamente o que eu preciso agora. Quanto menos coisas a dizer, menos tenho a contar sobre meu passado.

Dispenso os soldados e sigo o resto do caminho sozinho, assim como faço quase toda madrugada. Tenho outros planos e isso não envolvem mais ninguém. Estaciono em frente à um galpão alugado. Um lugar distante e esquecido até mesmo pelos moradores de ruas. Não é convidativo e isso é perfeito. Não preciso de curiosos e de surpresas.

Empurro o portão e o rangido do ferro antigo quebra o silêncio, como um rugido assustado e perturbador. Por dentro, o galpão é pura sujeira, o espaço é grande demais e fede como o inferno. Acendo a única lâmpada intacta, já que as outras ou estão quebradas ou o interruptor não funciona, e o centro do local se ilumina. Com a claridade no meio e os cantos envoltos pela sombra, esse local parece o início de um filme de terror, ainda mais quando um grito horrendo quase me ensurdece.

— Oi, tio. — Francisco arregala os olhos ao ouvir minha voz e semicerra os olhos para se acostumar com a luz repentina, se virando rápido e torcendo seu corpo velho na minha direção. As correntes nos seus pés tintilam e sorrio feliz.
O medo que estampa seu semblante é o ponto alto do meu dia, quase sinto um mínimo remorso e até sentiria alguma coisa, se existisse um coração batendo no meu peito, mas não tenho, porque ele mesmo o arrancou.

— Sentiu saudades? — Meu sorriso aumenta absurdamente e arrasto uma cadeira gasta, com as lacas se soltando conforme a empurro lentamente. Sento-me na sua frente e cruzo as pernas, sorrindo ainda mais, como se fosse possível.

MATTEO  Uma noite * livro 2Where stories live. Discover now