Capitulo 81

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Gabriella

Dois dias antes

Matteo me deixou em casa ontem a noite e assim que cheguei, corri para o meu quarto.
Deitei na cama e suspirei pesadamente, provavelmente sujando todo meu lençol com rastros de terras e alguma grama, mas isso não me importou naquela hora. Queria seu cheiro perto de mim mais um pouco. O banho poderia esperar.

Meu coração, que batia acelerado e com medo, agora relaxa mais tranquilo. Muitas coisas que ele disse, descrevendo o quanto sua vida era minada por meu pai, enquanto seus olhos perdiam o foco, revivendo sua pior fase, nunca conseguirei esquecer. Não que eu queira isso, mas céus, aquilo doeu. Eu só queria tirar aquele sofrimento do seu peito com as minhas próprias mãos e arremessar longe. Impulsionar para trás meu braço e mandar para outro universo.

Isso acabou levando um pouquinho de mim também, porque é impossível ficar alheia a essa dor, é impossível não sentir algo dentro de mim se quebrando, enquanto ouvia com atenção as suas palavras.

Cada segundo de agonia que eu via em sua expressão, vai ficar cravado na minha mente.

Cada vez que meus olhos encontrarem seu sorriso, com os lábios curvados para cima daquele jeito lindo, irei lembrar do quanto ele é forte. Do quanto precisou suportar e ainda assim, não desistiu, pelo contrário. Escolheu ser melhor. Escolheu viver.

Viver comigo.

Cada gota de lágrima que derramamos, nos uniu mais. Isso pode parecer idiotice e talvez até seja mesmo, mas é como se toda a aflição, todo sofrimento, tivesse, de alguma forma, nos solidificado mais. Tornando algo que estava frágil e em um certo momento, até destinado ao fim, em uma relação inquebrável. Uma conexão tão intensa, que até mesmo em meio a tempestade, seria impenetrável.

Perdida em tantos pensamentos, não sei quando meus olhos pesaram e acabei dormindo. O choro causa isso na gente, um cansaço que somente o sono resolve. Como se limpasse a nossa alma e recarregasse nossa energia. Estranho, talvez até exista um estudo sobre isso, porque o efeito é sempre esse. Se eu choro, logo durmo. Claro que tem um outro fator atrelado, meus músculos doloridos poderiam confirmar.

Acordo com o zumbido do meu celular, vibrando a caneta em cima da minha cômoda e fazendo um barulho alto em alguns segundos. A música que não é mais a minha preferida, por motivos óbvios, acaba com o silêncio. Levanto rapidamente e desligo o despertador, indo para o chuveiro em seguida.

Oi, foguinho. Pronta para ter aquela conversa agora? - sua mensagem pisca na tela, enquanto assopro meu chocolate quente e folheio meu livro do curso. Com os dedos rápidos, envio uma resposta de volta imediatamente.

Oi, Matteo. Pode ser a noite? — envio — Faculdade, estágio e depois vou visitar a minha mãe.

Claro, querida. Precisa de carona? 

Ainda tenho alguns poucos trocados — seu retorno demora para chegar, talvez tenha se chateado com a minha recusa, mas ser tão dependente é um pouco frustrante. Preciso de um emprego.

Tudo bem, mas busco você, então — sorrio com o quentinho que sinto no coração. Ele é tão atencioso e ... perfeito.

Combinado — digo e coloco a caneca na pia, guardando o livro na mochila e jogando uma alça dela no ombro, caminhando para fora de casa em seguida.

O vento mais frio agora pela manhã é bem vindo, um alivio que abraça a minha pele e me faz estremecer. O sol de ontem parecia estar direcionado somente em mim, estou com as marcas da manga da camisa no meu braço, mas não ligo. Essa bronze é só mais uma lembrança do quanto mudamos ontem. Do quanto tudo se tornou diferente, como se meus olhos fossem desvendados e agora posso ver tudo com mais clareza. Ver Matteo com mais clareza.

Encosto a cabeça na janela do ônibus e vejo a cidade passando conforme se movimenta. Minha respiração embaça o vidro e passo os dedos lentamente, limpando apenas para embaçá-lo novamente. É uma viagem curta, então me distraio para não voltar a pensar no meu pai e no quanto ele machucou a todos. Sempre que esse pensamento ameaça se aproximar, logo trato de focar em outra coisa. Não é um assunto divertido. É triste e revoltante. 

As pessoas caminham pelo corredor do campus, perdidas na sua própria vida, assim como eu. O barulho ao meu redor é uma escape para a minha mente. Não quero ficar em silêncio, pois se isso acontecer, minha mente vai pirar, pois um misto de raiva e indignação transita dentro de mim. Um sentimento forte que me faria agir descontroladamente se aquele desgraçado ainda estivesse vivo.

Não senti nada ao saber da sua morte. Nada além de gratidão por um lixo a menos estar sobre a Terra. Isso deveria ser ruim, ter esse tipo de opinião sobre alguém do seu sangue, alguém que te trouxe a vida, mas não consigo sentir nada além de nojo, além de repulsa. 

Posso ter uma noção do ódio e da determinação do Matteo em querer se vingar. Céus. Estaria mentindo se dissesse que não compreendo, mas fico feliz em saber que desistiu disso tudo por nós. Ele venceu, como mesmo afirmou. Não poderia concordar mais. Ele ganhou essa guerra dentro dele quando escolheu o amor. É tanto orgulho borbulhando no meu peito, tanta admiração, que é impossível não sorrir ao pensar nesse homem. O homem que se tornou mais a cada segundo, até ganhar meu coração por completo.

A aula se arrastou.

O estágio se arrastou.

Talvez por eu não ser mais a mesma de semana passada ou talvez porque a minha vida tenha saído tanto dos trilhos, que simplesmente, eu só queira o colo dela um pouco, porque o relógio apenas pareceu funcionar, quando eu estava a caminho da clínica.

— Oi, mãe. — passo meus braços ao redor do seu corpo e a abraço forte. Ela estava parada, olhando para o oceano e queria poder ter retratado aquilo, pois estava linda.

— Não gosto quando pessoas estranhas se aproximam. — seu timbre ríspido me assusta, quando ouço sua voz próximo ao meu ouvido.

— Sou eu, mãezinha. — recuo um passo e a observo — Sua filha, Gabriella. — sorrio, tentando resgatar suas memórias, mas seu semblante fechado, com as sobrancelhas franzidas, quebra alguma coisa dentro de mim sempre que essa doença avança.

— Eu não tenho filha. — retruca firme — Ele a matou quando me mandou para o hospital.

— Não ... não. — insisto e omito o quanto seu comentário me machucou. Ela está cada vez mais distante e isso dói como o inferno — Estou bem aqui. — garanto e forço minha boca em um sorriso mentiroso.

— Enfermeira. — ela grita e empalideço — Enfermeira. — o desespero nas suas palavras é como uma adaga direto no meu peito. A pressão na minha barriga, aquela dor tão familiar, aquilo frio, percorre minha pele e pisco rapidamente, permitindo que a lágrima caia.

— Mãe, por favor. — imploro.

— Se afaste. — esbraveja — E não volte mais aqui. — ela marcha sozinha para o lado oposto, mantendo uma distância enorme entre nós e fazendo um buraco crescer no meio coração. É desolador. Se eu pudesse passar minha sanidade para ela, aceitaria esse seu fardo sem pestanejar. Cubro o rosto com as mãos quando seu olhar zangado me encara ao longe, enfurecida com a vida, enfurecida com o quão injusto o destino foi com ela, mas não vou embora. 

Ela vai se lembrar de mim, assim como em outra vezes e quando esse momento chegar, estarei aqui.

Sempre estarei.

MATTEO  Uma noite * livro 2Where stories live. Discover now