Capítulo 92

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Matteo

Meus dedos estão doendo pra caralho, ainda mais quando raspam em alguma coisa, como nesse momento no volante, ao virar para a esquerda, entrando na rua da clínica.

Foi uma burrice, agora eu vejo isso, mas quando estava enterrando minha mão fechada na parede, cada vez com mais força, a culpa parecia diminuir, parecia perder espaço dentro de mim. Foi quase medicinal. Tudo bem que a dor voltava mais forte no meu peito depois, mas na hora foi fodidamente prazeroso e eu estava em busca de qualquer coisa que não fosse meu coração sendo arrancado, camada por camada e naquele instante, agir como um maldito homem das cavernas estava funcionando bem. 

Fiquei tão perdido e tão enlouquecido, que nem me atentei ao fato de que a quase morte da Sandra foi provocada. Demos sorte, porque a intenção, com toda a certeza desse mundo fodido, não era assustar, era o pior. Graças a Deus por isso.

Avisto meus soldados e aceno, parando devagar ao lado deles.

— Podem ir embora. — aviso quando se aproximam. Não espero por uma resposta, porque não tenho tempo para conversas agora, não com eles. Meu foco está bem certo, na verdade. Um alvo. É disso que vim atrás.

Estaciono o carro em uma vaga reservada na entrada e inspiro fundo antes de sair. Nunca machuquei uma mulher na minha vida e não pretendo começar hoje, por mais que se a minha suspeita se concretizar, a vadia iria merecer uma boa lição.

O sino da porta ecoa por todo o pequeno salão da recepção e passo direto pelo balcão.

— Senhor, não pode entrar ai. — ignoro a atendente e continuo andando. Caminho pelo corredor, sem sinal de passos dela atrás. A porta está encostada, mas a luz está acesa, indicando que não está vazia. Excelente. Não aviso a minha chegada, com a ponta do pé empurro a madeira pesada e a encaro.

Seus olhos acompanham meus movimentos como uma cobra traiçoeira. Esperando algum bote ou apenas deixando mais nítido o tipo de lixo que é. Não sei. Posso sentir a sua podridão de longe e não estou falando do seu perfume enjoativo.

— Oi, querido. — diz sorrindo, ignorando a minha aparência suja e diferente, mas ainda assim, inclina o corpo naquela insinuação horrorosa, quando me sento na cadeira a sua frente. Os seus óculos estão sobre a cabeça e ela cruza os braços sobre a mesa.

— Para com essa porra. — retruco e ela se assusta, desviando o olhar e fechando a cara. O sorriso morre com a mesma rapidez que apareceu e prefiro assim. Não gosto de gente simpática desse jeito, na maioria das vezes, estão segurando uma adaga nas costas e escondendo segredos. Ou é só uma vaca mesmo. No caso dela, acredito ser as três opções.

— Qual o seu problema comigo? — questiona em uma mágoa fingida.

— Você sabe o que estou fazendo aqui. — afirmo e sorrio — Então comece a abrir essa boca.

— Não sei do que está falando. — argumenta — Poderia me dizer? — sua voz assume um tom meloso e me contenho para não virar essa mesa em cima dela, depois de tanta falsidade. Sinal de culpa número um.

— Você é a dona desse lugar ou só cuida da parte financeira? — indago curioso.

— Sou a dona. — seu peito estufa ligeiramente e responde todo orgulhosa. Trazendo de volta a risada irritante e a postura superior.

— Interessante. — respondo e fico em silêncio, esperando o momento em que ela começaria a falar de si própria.

— Muito. Comecei esse negócio do nada ... — previsível. Ignoro sua história depois de algumas palavras e balanço a cabeça conforme explica a sua trajetória, como se fosse estimulante. O que está bem longe de ser. Essa mulher é um tédio.

— E você decidiu virar uma assassina assim do nada? — interrompo alto e ela se reseta. Piscando rapidamente. Sinal de culpa número dois.

— O que? — seu rosto empalidece e suas mãos começam a ajeitar o cabelo insistentemente. Sinal de culpa número três.

— Vou repetir. — fico em pé, mas não chego perto dela, continuo com a distancia da mesa entre nós, só para garantir que posso sair daqui rápido e não enforcá-la com meus próprios dedos — Você tentou matar uma paciente aqui. 

— Meu Deus, claro que não. — suspira.

— Não negue.

— Eu nunca faria uma coisa dessa. — eu quase poderia acreditar, se não fosse pelo leve tremor no seu corpo, indicando mais uma vez a porcaria da intenção.

— Você sabe quem eu sou? —  replico.

— Por que eu deveria? — responde baixo e se encolhe, como se o medo começasse a ficar maior do que a sua coragem.

— Porque você envenenou a minha sogra. — digo — E eu sou o chefe da Cosa Nostra aqui em Sicilia. — ouço sua respiração falhar, quando sem sucesso, ela tenta manter uma calma fingida — Talvez você até saiba disso, já que fez um trabalho para o lado negro da cidade.

Não preciso explicar o que significa a minha frase. Qualquer morador da Italia conhece muito bem as organizações daqui, principalmente a nossa.

— Você está enganado. — se defende e  começa a chorar — Eu não fiz nada disso. Eu ju ... ro — insiste gaguejando como uma covarde de merda.

Foi ela. 

Não preciso de uma confissão para saber. Conheci a maldade de bem de perto e posso senti-la.

— O que ofereceram? — pergunto e ela se cala por um longo tempo — Não me faça de idiota. — bato a mão aberta sobre a mesa e ela grita, tapando a boca no mesmo segundo.

— Dinheiro. — sussurra e cerro meus dentes. Uma vida por um saco de notas. Que escolha podre.

— Já recebeu? — questiono e me controlo para não avançar até o outro lado.

— Ainda não. — responde rapidamente com a voz chorosa. A maquiagem virou uma bagunça no seu rosto. Os traços pretos escorrem pela sua bochecha, mas ela parece não se importar. Não quando teme pela vida. Nesse caso, a beleza realmente não tem valor. Não que ela seja bonita. Para mim, ela consegue se tornar repugnante a cada batida do relógio.

— E nem vai, porque estão todos mortos. — curvo meus lábios para cima, no maior sorriso que consigo e bato uma palma. Ela deve estar muito apavorada, porque com um sobressalto, sua cadeira se move para trás — Provavelmente imaginou que pegaria a quantia e viveria feliz para sempre. — digo ainda sorrindo.

— O que você vai fazer comigo? — retruca.

— Eu? Eu não vou fazer nada. — declaro e me sento novamente, pegando meu celular no bolso — Vou chamar a minha garota aqui e ela vai decidir o seu destino.

MATTEO  Uma noite * livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora