Capítulo 39

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Gabriella

— A senhora o conhece? — questiono curiosa.

— Sim. — responde mais calma após ficarmos sozinhas, depois que Matteo saiu, a tempestade que havia se formado em seus olhos foi embora, dando lugar a uma calmaria diferente, uma troca de expressão tão rápida e nova, que me assustou — Lembro daquele menino. — ela coça a cabeça, parecendo bastante confusa e me encara de um jeito esquisito — Não consigo me lembrar do lugar certo, mas sei que senti raiva olhando para ele. — comenta envergonhada — Não sei o que aconteceu.

— Não faz muito sentido, mãe. — digo paciente.

— Um pouquinho. — ela sorri sem jeito e desvia o olhar, fixando diretamente nas escadas a sua frente — Quero me deitar agora, Gabriella.

— Está tudo bem? — pergunto — Quer me contar alguma coisa, mãe?

— Não, filha. — responde prontamente — Só estou cansada. — sua voz sai levemente trêmula e baixa, o que me faz pensar que talvez esteja mentido, mas por quê? Como eles poderiam, de alguma forma, se conhecerem? Não tem o menor sentido.

— Ok, vou te levar então. — passo meu braço sobre o seu ombro e subimos lentamente pelos degraus. 

Não insisto nesse assunto, pois além de evitar que se estresse novamente, infelizmente, sua memória já não é tão confiável, talvez tenha apenas se confundido mesmo.

Assim que ela se deita, chego mais perto e me sento, ocupando um pequeno espaço na beirada da cama. Seu quarto está todo colorido com nossas artes, tão bonito, tão vivido. Artes dela, na verdade. As minhas parecem mais rabiscos de uma criança no jardim de infância.

Os quadros estão espalhados por todos os lugares. Cada imagem que observo, esquenta um pedacinho do meu coração com uma lembrança.

— Estou doente, pequena. — sussurra. 

Seu timbre tão quebrado e triste, enche meus olhos de lágrimas com essa aceitação que ouço. Ela sabe. Ela entende que tudo está mudando com uma velocidade absurda e isso é doloroso demais. Essa doença arrebatadora e tão incerta está destruindo uma parte dela a cada dia, e uma minha também.

— Sim. — confirmo — Mas não precisa ter medo. — murmuro e passo minha mão nos seus cabelos — Sempre estarei ao seu lado.

— Eu sei. — declara e se ajeita melhor, cobrindo todo o corpo e suspirando profundamente — Os pais que deveriam cuidar dos filhos, não é? Não o contrário. — sua frase me acerta em cheio e sinto que essa confissão não poderia estar mais errada.

— Não. — digo —  As pessoas que se amam cuidam uma das outras. — seus olhos se fecham e continuo o carinho na sua cabeça — E é isso que estou fazendo. — ela não responde, apenas levanta os cantos da boca em um sorriso pequeno e perfeito. Eu a amo tanto.

Sua respiração fica compassada e baixa com o tempo, e depois de ter a certeza que adormeceu, levanto devagar e encosto a porta ao sair.

Desço as escadas rapidamente e puxo meu celular do bolso da calça.

— Sônia. — digo, após alguns toques.

— Oi, Gabriella. — responde — Como ela está? — pergunta preocupada.

— Está melhor. — caminho até a cozinha e arrasto uma cadeira, sentando em seguida — Está dormindo agora.

— Que bom. — diz.

— Sinto muito por tudo aquilo. — peço — Me desculpa mesmo. 

— Isso não é culpa de ninguém, querida. 

— Fala isso para a minha consciência. — comento.

— Fica em paz, meu bem. Esse é o processo ...

— Dias bons e ruins. — interrompo.

— Exatamente. — ouço sua risada e o peso de toda essa situação começa a ficar mais suportável. Essa confirmação de que não estou sozinha nessa luta, mesmo que essa batalha tenha o final previsível, não significa que o caminho até lá precise ser solitário.

— Você está bem mesmo? — questiono.

— Sim, fica tranquila. Seu amigo me ajudou, ele é bom para lidar com ferimentos. — diz.

— Matteo. — digo. 

— Ele é médico?  — pergunta e seguro o riso. Você não adivinharia nunca o que ele é.

—  Não. — respondo — Talvez ele só tenha o dom.

— Pode ser, menina. Ele parece gostar muito de você. 

— Somos amigos, seria estranho se ele não gostasse de mim. — respondo sarcasticamente.

— Você entendeu o que eu quis dizer, Gabriella. — Sim.

— Não quero pensar nisso por enquanto. — digo sinceramente — Não é muito certo.

— Ser feliz nunca é errado. — diz pausadamente e aquele seu tom terno e suave, invade a minha mente como hipnose — Sua mãe só está perdendo as memórias, porque ela as viveu em algum momento. — fecho os olhos enquanto me atento ao seus conselhos experientes — Não permita que a doença dela te impeça de criar as suas.

— Não parece justo encontrar o amor agora.— digo envergonhada.

— E quem disse que seria? — sua risada alta me surpreende. Sônia é sempre tão contida e reservada — Você não encontra esse sentimento, Gabriella. Ele que simplesmente aparece e te atropela.

— Isso soa muito convidativo. — respondo ironicamente.

— Nunca vai saber se não se deixar sentir.

Talvez ela tenha razão, afinal.








MATTEO  Uma noite * livro 2Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang