Tom e outras histórias de horror

6

"Vocês podem imaginar como estávamos ansiosos enquanto esperávamos pela noite. Carmilla andava de um lado para o outro enquanto arrumava duas mochilas para a viagem. Organizava documentos e outros pertences importantes. Eles não tinham decidido ainda para onde iria, mas qualquer lugar que fosse longe dali serviria. "

"Gustav estava sentado no sofá com sua enorme espingarda ao lado. Ele parecia mais relaxado depois do banho e colocar roupas limpas. Porém, pelo seu semblante sério, dava para ver que estava preocupado. O único som do lugar era o arranhar da faca na pedra. Gustav queria que sua faca estivesse preparada, caso viesse a precisar dela. "

"Eu me sentia nu nessa situação. A única arma que eu possuía era meu punhal. Apesar de ser um ótimo instrumento, ainda assim não sabia se seria suficiente contra aquela coisa. A lembrança de ser arremessado como se fosse um brinquedo não havia me abandonado. "

"O plano para a noite era simples: se aquele demônio voltasse, deveríamos tentar acertar o coração dele ou decapitá-lo. Não tínhamos como saber se funcionaria, mas baseado em histórias que Gustav tinha ouvido no vilarejo, essas eram as únicas formas de destruir aquele ser maligno. "

"Foi uma longa espera. As horas pareciam não passar. Quando anoiteceu fomos jantar e a cada minuto que passava, a tensão aumentava. Por decisão de Gustav, essa noite ninguém iria para os quartos, quem quisesse dormir que se contentasse com o sofá. Não queria que nos separássemos de forma alguma. "

"Continuamos nossa vigília por mais algumas horas até que Carmilla adormeceu no sofá ao meu lado. Como eu adoraria colocar a cabeça dela no meu colo e ficar acariciando aqueles fios amarelos. Porém sabia que não era hora para isso. No dia seguinte contaríamos a Gustav. Só precisávamos esperar mais algumas horas. "

"Esperando. Sempre esperando. "

"Com o passar das horas a tarefa de permanecer desperto ia ficando cada mais vez mais difícil. Já não conseguia mais resistir aos efeitos do sono. A última cena da qual me lembrava antes de adormecer era a de Gustav inquieto andando de um lado para o outro pela sala. "

"Acordei sobressaltado com um barulho de colisão. Não pude dizer quanto tempo havia se passado. Mas isso pouco importava. Assim que ouvi o barulho pulei do sofá, já totalmente desperto. Procurei a origem do barulho e percebi que Gustav estava caído no chão, parecia desacordado. Olhei para o lado e com horror vi a cena que ainda assombra os meus pesadelos. "

"Debruçado por cima de belo corpo da minha amada estava aquele demônio. Ele estava concentrado enquanto beijava o seu pulso. Para deixar a situação ainda mais desesperadora, havia um filete de sangue escorrendo pela lateral daquele beijo hediondo. "

"Tamanha foi a fúria que me acometeu, que imediatamente me lancei sobre ele. Por não esperar que fosse atacado, o demônio foi lançado ao chão causando um enorme estrondo. Voltei em direção a Carmilla e uma imensa tristeza me atingiu. Minha amada respirava com dificuldade e estava pálida como o mármore. "

"Nesse meio tempo, o maldito se levantou e seguiu para a porta para fugir mais uma vez. Como Gustav já estava se levantando gritei para que ele cuidasse de sua irmã e saí no encalço de Aubrey. "

"A madrugada estava clara devido à imensa lua cheia que cintilava no cinturão da constelação de Órion. Por sorte, o demônio havia fugido passando pelo estábulo no fundo da casa, de modo que eu pude montar meu cavalo (que graças ao bom Deus dormira selado). Rapidamente segui a trilha que Carmilla me mostrou naquela manhã."

"Tentava cavalgar o mais rapidamente que podia enquanto segurava firmemente meu punhal. Pude visualizá-lo ao longe. O fato da pele dele ser tão branca facilitava a perseguição. Ou melhor, facilitava a visualização. Ele era muito rápido. Muito mais rápido que a condição humana permitiria. "

"Avancei ainda mais com o meu cavalo e depois de alguns instantes, consegui alcançar aquela criatura. Nesse momento, ele se virou e olhou com o rosto transfigurado de ódio e pavor. Isso me deu forças para, sem hesitar, saltar sobre ele. "

"Caímos no meio da vegetação rasteira e descemos a montanha rolando um sobre o outro. Assim que paramos, ele me atingiu no estômago com um potente soco que me tirou todo o fôlego. Ele, vendo que tinha conquistado uma vantagem e que eu ainda estava caído, segurou meu corpo com seu braço direito e começou a se inclinar na direção do meu pescoço. "

"Eu sabia o que ele pretendia fazer. Lutei com todas as minhas forças para tentar resistir, mas era inútil, ele possuía a força de dez homens. Então senti suas presas perfurando minha pele e imediatamente uma letargia se espalhou por todo o meu corpo. Era como um sonífero fazendo com que sua vítima ficasse totalmente imóvel. Pude sentir que ali mesmo pereceria. "

"Comecei a questionar minha atitude de ter seguido essa criatura. Como eu tinha sido ingênuo em pensar que poderia derrota-lo. Morreria ali, no meio da escuridão, em um país desconhecido. "

"Eu já estava prestes a sucumbir quando senti algo gelado na minha mão direita. Meu punhal! Como poderia ter esquecido dele!? Reuni toda a força que ainda me restava e com um único golpe o cravei na lateral do corpo daquela criatura, bem no local onde estaria seu coração, se é que ele tinha um. Com isso, ele soltou um grito tão medonho e infernal que tive a impressão que conseguiria acordar até mesmo os mortos. Feito isso ele tombou ao meu lado completamente imóvel. "

"Mal pude acreditar que isso tinha acabado. Voltei para trilha e segui de volta para a casa onde eu estava hospedado. O maldito tinha extraído muito sangue do meu corpo, eu estava muito fraco. "

"Apenas um pensamento povoava a minha mente enquanto eu retornava: Carmilla. Ela precisava estar bem... Demorei um pouco mais para voltar, afinal não encontrara meu cavalo. Ao chegar perto do estábulo, vi que Gustav estava saindo e ao me encontrar explicou que ela havia acordado e pedia para me ver."

— John, ela está muito fraca. Acho que ela não vai aguent...

— Não diga isso!!! — Quando percebi estava gritando. — Daremos um jeito.

"Corri em direção à minha doce Carmilla. Quando a vi senti um aperto tão grande que lágrimas inundaram meus olhos. Ela realmente estava muito mal. Notava-se que ela não tinha muito tempo. "

— John... — ela disse numa voz tão fraca que tive que me abaixar muito para ouvi-la. — John, meu querido. Você veio...

— Shhh... Não diga nada. Poupe suas forças para sua recuperação. Não precisa mais temer, pois destruí o desgraçado que fez isso a você.

— Não sejamos inocentes meu amor. Ambos sabemos o que me acontecerá...

— Não diga isso! — Eu disse em meio às lagrimas que percorriam meu rosto. — Nós vamos nos casar! Iremos para Londres, e...

— John, por favor... apenas lhe faço um último pedido.

— O que quiser minha amada.

— Dê-me um beijo. O último. Para que eu parta pensando em você...

"Inclinei-me suavemente e beijei, pela última vez, aqueles doces lábios. Quando terminei, percebi que ela já não estava mais ali. Estava em paz. Em paz e com um sorriso no seu rosto angelical. Não pude mais segurar, debrucei sobre seu corpo e me entreguei ao pranto. Chorei pensando em tudo que poderíamos ter vivido, todos os planos e expectativas. Tudo havia desmoronado. Senti então uma mão sobre meu ombro. "

— John...

"Ele estava com os olhos cheios de lágrimas, mas o semblante era calmo. Conformado. "

"Nos levantamos e fomos enterrar o corpo daquela que havia sido a pessoa mais pura e mais bela com a qual me deparei em toda a minha vida. Foi o pior momento da noite. À medida que a terra caía sobre seu improvisado caixão, era como um punhal que era cravado cada vez mais fundo em minha alma. Só de pensar que nunca mais a veria..."

"Parti no dia seguinte. Não poderia continuar nem mais um dia em um local tão repleto de lembranças dela. Deixei uma pequena quantia para Gustav para ajudá-lo no que fosse necessário e voltei para minha Londres, agora tão sem graça, sem vida. Nunca a esqueci e sempre que possível,conto às pessoas sobre essa história. Dessa forma, mantenho viva uma pequena parte da minha bela e doce Carmilla. "

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Ahhh o que você achou desse conto!? Me fala aí nos comentários! 
Sempre que releio essa história fico bem impactado com o destino da Carmilla. 😢

Muito obrigado por ter chegado até aqui! Espero que tenha se divertido! =)