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— Já que vocês gostam tanto das minhas histórias de terror vou contar mais uma — disse o Velho Chico enquanto esfregava as mãos no calor que emanava da fogueira naquela fria noite de outono.

— Essa é uma história real, como todas as que conto. Todo mundo está careca de saber que eu e a mentira não nos damos nada bem. — A plateia estava da forma como Velho Chico gostava: sedenta por uma boa história. Nada seria capaz de desviar a atenção deles.

"Não é nenhuma novidade para vocês que eu e a sua avó crescemos em um vilarejo rural perto de Lafaiete chamado Senhora de Oliveira. Era uma cidadezinha pequena demais, você não via muitas casas na região, sabe? Lá tinha era muitas fazendas, ah isso tinha! "

"Hoje a cidade cresceu. Tem muito tempo que eu não vou lá, mas sei que hoje tem escolas, hospitais, comércio, tem de tudo... deve ser um ótimo lugar para viver. Não para mim, pelos motivos que vou falar para vocês aqui. "

"Na minha época, as coisas lá eram bem diferentes de hoje. Não sei se vocês vão conseguir entender, já que foram tudo criado em cidade grande..., mas não se preocupem, vou dar muitos detalhes para vocês conseguirem acompanhar a história e entender como era a vida no campo. "

"Como eu disse, o vilarejo era um amontoado de fazendas. Não havia asfalto nas ruas e todo o transporte era feito usando carroças. Ah não ser que você quisesse resolver algo mais rápido, aí bastava selar o cavalo e partir. "

"Além das ruas de terra, outra coisa que não tínhamos era iluminação pública. Só a rua principal da cidade, onde ficavam algumas lojas, era iluminada. O resto era tomado pela escuridão quando a noite caía. Menos nas noites de verão. Vocês tinham que ver! Parecia natal com o tanto de vaga-lume que aparecia. "

"Era nessa rua que morava a Rita! Ah que mulher! Mas essa não é a hora de contar como conheci a vó de vocês. Fica para outro dia. "

"Bom, mas vamos lá. O causo que vou contar aconteceu quando eu era adolescente. Mais ou menos na idade de vocês. Tinha lá meus quinze anos e já tinha minha cota de tarefas domésticas. É isso mesmo que vocês ouviram. A vida na roça era muito diferente dessa que vocês estão acostumados. "

"Pra vocês terem uma ideia, eu levantava às seis, tomava uma água para acordar de vez e já ia ordenhar as vacas. Quando voltava carregando o leite, minha mãe já tinha levantado e estava terminando de preparar o café da manhã. Ah, como sinto falta daqueles tempos! Comíamos e então eu ia ajudar meu pai nas plantações. "

"Essa era minha rotina diária: pela manhã ajudar na fazenda, durante a tarde ir para a escola e a noite eu ficava ora ajudando meus pais, ora lendo alguma notícia nos jornais. Esse hábito de leitura é algo que trago desde muito moço. "

"Acontece que por aquelas bandas começaram a surgir alguns boatos em uma dada época. Jamais pude esquecer daquele outrono. Lembro que as noites já começavam a ficar um pouco mais frias. Em algumas noites chegava a formar até mesmo uma neblina densa na região. "

"Como vocês bem sabem, eu morava na fazenda que hoje é da tia Cláudia. Mas lá mudou bastante com o tempo. Hoje ela não se parece em nada com o lugar onde eu cresci. Como eu disse, Oliveira cresceu muito. Hoje existem três fazendas perto daquela onde morei. Na minha infância não havia nenhuma. A casa mais próxima ficava a quase 30 minutos de caminhada. Por um lado, isso era até bom. A gente tinha uma paz, uma tranquilidade muito grande que eu amava. "

"Mas como eu ia dizendo, começaram a surgir alguns boatos estranhos na região. Em algumas fazendas, animais começaram a desaparecer. Do nada. Amanhecia e faltava uma vaca, um cavalo, ou mesmo um cachorro. Isso ia acontecendo noite após noite e ninguém conseguia explicar o que era. As pessoas começaram a desconfiar que podia ser algum ladrão. Mas isso não fazia sentido, se um ladrão entra na sua casa, ele faz barulho. Lá não. Tudo acontecia no maior silêncio. Ninguém ouvia nada. "

"A situação continuou assim por todo o outono daquele ano. Ninguém viu o que aconteceu. Ninguém sabia como os animais estavam desaparecendo. Vocês estão cansados de saber como as pessoas são supersticiosas né? Agora, imagina isso em uma época que não tinha televisão e muito menos internet! "

"Não demorou muito para que as pessoas começassem a dizer que isso era coisa do Diabo. Que "o Cão" vinha durante a madrugada roubar os animais. Outros já achavam que era algum tipo de ritual satânico. Que algumas pessoas estavam roubando os animais para fazer sacrifícios para o tinhoso. Vocês me conhecem. Sabem que nunca fui muito de acreditar em boatos. Principalmente boatos tão absurdos! "

"Bom, mas por fim, chegou o inverno e os ataques pararam tão de repente como haviam começado. As pessoas continuaram sem entender aquilo, mas deram graças a Deus por finalmente poderem dormir em paz. No total 3 fazendas haviam sido atacadas perdendo vários animais. "

"Na medida que os meses foram passando, essa história foi sendo esquecida. Todo mundo já estava acreditando que tinha sido um grupo de ladrões safados que tinha passado por Oliveira e não quiseram sair de mãos abanando. "

"Todo mundo menos as crianças. Que coisa danada é a mente de uma criança! Acho que, como ela ainda não foi contaminada pela racionalidade que os adultos tanto prezam, elas conseguiam ver as coisas com mais clareza. Elas estavam muito mais próximas da verdade do que os adultos. Mas deixa eu ir devagar para não estragar a história. "

"As crianças não acreditavam que aquilo tinha sido obra de ladrão. Imaginem vocês as histórias que elas não inventavam! E todas elas ligadas ao sobrenatural. A que eu particularmente mais achava graça era uma que dizia que vinha uma pessoa de terno e que, apenas com o olhar, conseguia controlar os animais e assim os levavam para fazer rituais. "

Nesse momento o Velho Chico parou para beber um pouco do seu café preto. O fogo esquentava por fora, mas ele também precisava de algo para esquentar por dentro.

"Agora, vocês prestem atenção porque as coisas vão começar a ficar estranhas. "


🐶🐶🐶

E aí, deu pra sentir um pouquinho do clima de roça?
Não se esqueça de votar no capítulo caso tenha gostado! 😉

Tom e outras histórias de horrorWhere stories live. Discover now