Epílogo

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D A V I D

Quando você está fora por tanto tempo, a vida parece se arrastar. Nunca tem fim. Nunca começa para que possa acabar. Não há início, nem meio e nem final. É uma continuidade irritante que aos poucos vai levando a porra da sua sanidade e da sua esperança embora até que você acorda e se dá conta de que nada mais é igual e continuar sonhando e pensando sobre o mundo lá fora não faz mais sentido. E esse é o momento em que você para.

Para de pensar em como vai ser quando sair. Para de pensar em como estão as notícias ao redor do mundo. Para de pensar se alguém vai estar lá quando os portões finalmente se abrirem pra você. Para de pensar em como anda economia do país. Para de pensar se ainda vai haver alguém. Para de pensar em como deve ser o perfume das flores. Para de pensar nos seus erros e apenas assume a responsabilidade deles porque não tem mais jeito. Para de tentar contar os dias e as horas enquanto você está ali. Para de tentar imaginar qual é o cheiro da grama do outro lado do muro. Para de pensar em como a pessoa que você ama deve estar.

Você para.

E a sua vida fica estagnada entre dormir e acordar. Não há nada além disso.

Não há nada.

Não há ninguém.

E mesmo quando os portões finalmente se abriram para mim, mesmo quando a liberdade bateu à minha porta não havia mais nada... Porque ela levou tudo consigo. Levou todas as partes boas, toda alegria, todos os dias ensolarados... Todos os momentos de amor e felicidade que só existiam com ela se foram. E agora... Agora o vazio de uma vida sem ela ecoa ao meu redor.

B R O O K L Y N

Meses Depois

David dispara socos no saco de areia repetidamente há duas horas. O impacto de seus punhos contra o tecido ecoa pelo ringue vazio e Rick suspira cansado mais uma vez. É domingo a noite e nenhum de nós deveria estar aqui, mas este tem sido o único lugar que David consegue frequentar sem precisar de álcool. É o único lugar em que ele encontra um pouco de paz desde que voltou pra casa.

Vejo a maneira que seus punhos atingem o saco de forma impiedosa, não tenho certeza se ele tenta se machucar ou machucar o equipamento. É difícil ver David através da raiva agora. A mágoa que ele carrega no corpo aliado ao seu coração partido é uma combinação perigosa e me dói vê-lo assim.

— Ele não está melhorando. – Rick comenta ao meu lado, mas meus olhos permanecem no corpo de David coberto por suor e com hematomas das últimas confusões que ele arranjou nos bares.

Porque desde que ele voltou pra casa beber por aí e brigar com qualquer um que olhe torto em sua direção são suas atividades diárias. Assim como ir busca-lo em qualquer bar vagabundo no meio da noite se tornou a minha. Ele bebe até cair nos bares, me procura quando precisa de alguma diversão mais pesada ou um corpo para esquecer dela. E permito que ele me use em busca de conforto porque não tenho ninguém. David é a única pessoa que remotamente se importa comigo ainda que seja de uma forma deturpada. David não é o mesmo cara que conheci e mesmo que eu já esperasse isso dele, é difícil ver o quanto ele mudou.

— Ele vai sair dessa.

Tento soar firme, mas a verdade é que não sei se é verdade. Faz meses desde que David saiu, então estamos tentando respeitar seu momento de luto pela própria vida, mas não sei até onde devo tolerar.

— O Zeff me pediu para conversar com ele de novo. Para ele reconsiderar algumas lutas.

— Não sou a mãe dele, Rick. Se ele não quer lutar, não posso fazer nada a respeito. – deixo claro. David tem sido sondado por alguns agentes do mundo das lutas, mas até agora recusou todos os convites. Não sei se é algum tipo de estresse pós-traumático da última luta. Não sei se é porque isso o faz lembrar dela... Não sei, mas sei que ver David se degradando a cada dia que passa é de partir o coração.

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