32 | Knowing the feeling

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29/07, Wednesday
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Incrível como toda a coragem some quando passa algum tempo desde que você tomou uma decisão. Estou escovando os dentes e treinando para que eu consiga parecer normal na frente dele, sem esboçar qualquer sinal da minha preocupação.

Concluo que sou uma boa atriz. Com isso, quero dizer que sou uma ótima mentirosa. Ao menos eu espero que eu seja.

Faço bochecho e pego minha mochila guardada no guarda-roupa. Ouço um barulho desconfortável, como um chiado, e ao seguir o som vejo Plagg arranhando o isopor que será a base da minha maquete.

- Plagg, não! - Corro até ele, tirando suas pequenas garras de dentro do material. Ainda bem que vi antes dele destruir, ficando apenas alguns arranhados que sumiriam com a tinta.

Isso serviu para eu não esquecer de levar o isopor. O coloco embaixo do braço e vou andando até a escola. É leve, mas é um trambolho.

Curiosa, arregalo os olhos vendo a tela do celular. Faz semanas que eu não me atraso para a escola, parece que eu finalmente tomei senso.

Caminho devagar para o pátio pensando no que eu poderia falar com ele. Quanto mais eu enrolo, mais eu perco qualquer resquício de coragem que há dentro de mim. Paro de pensar como solução, só sigo para a classe e abro a porta.

Ele não está lá ainda.

Suspiro aliviada.

Subo para o meu lugar, encaixando o isopor entre os meus pés. Afasto o banco da mesa planejando dormir porque acordar no horário está me deixando ainda mais cansada, então aproveito os momentos que tenho livre para dormir. Agora inclusive eu tenho escola, estágio, aulas de dança, tenho que estudar. Não sei porque justamente no meu último ano no colegial eu me atarefei tanto. Não que eu esteja reclamando.

Portanto, empurro o banco para não atrapalhar Adrien de passar e sentar no seu lugar que é ao lado da parede enquanto eu fico na ponta dormindo. Ele ainda teria que se abaixar e passar debaixo de mim, mas é melhor que nada. Coloco os braços dobrados na mesa servindo de apoio e durmo muito bem. Não sonho com nada e agradeço por isso, já que costumo me cansar ainda mais com os meus sonhos que são agitados.

Sinto ainda mais sono, como se tivesse algo estimulando isso, que nem uma música calma ou carinho no cabelo perto na nuca que dá arrepio.

Agora, mais consciente, percebo que é a última opção. Meus olhos pesam ao tentar abrir. Lábios encostam na minha bochecha, deixando beijos leves.

- A aula vai começar. - Adrien cochicha sem tirar a mão do meu cabelo.

Levanto um pouco perdida, não tendo noção de onde estou por alguns segundos. Meus olhos demoram para se acostumarem com a luz que entrava pelas janelas livres das cortinas.

Ele ri.

- Vem cá. - Me puxa pelo banco, deslizando até ele.

Passo a primeira aula inteira encostada em seu ombro com sua mão mexendo no meu cabelo, lutando contra o sono e tentando prestar atenção na aula ou ao menos continuar acordada.

Até que eu percebo que estamos nos falando normalmente, como se nada tivesse acontecido. Será que ele vai só ignorar? Olho para ele que está falando algo para Chloé apenas mexendo a boca, sem fazer nenhum som. Ele ri baixo. Parece estar como sempre.

O sinal para a aula de geografia toca e a sala se lembra de que tem maquete para fazer. Se lembra também de que tinha que trazer os materiais e muitos não trouxessaram.

- Trouxe a argila? - Ergo o rosto apoiado em seu ombro para ele.

Ele beija a minha testa e aceito isso como resposta.

- Vamos começar então. - Me afasto dele para pegar o isopor arranhado aos meus pés e bato a cabeça na mesa ao levantar.

Deixo um grunhido sair e coloco a mão na cabeça como instinto a dor. Sempre desastrada.

O trabalho de geografia é infantil. Vamos ter que fazer uma maquete, cada grupo representando algum desastre natural e tendo que fazê-lo acontecer. Eu escolhi o mais fácil de fazer, na hora que a professora falou os temas eu já gritei "vulcão!" para não ter que perder muito do meu tempo produzindo algo complicado.

Para compensar isso, ele vai ter que ficar muito bom visualmente, com detalhes e cores, um projeto mais realista. Ainda bem que eu sou desenhista, então. Mais para designer, mas decorar um vulcão não deve ser tão diferente de decorar um vestido.

- Não tinha muita tinta em casa, trouxe o que achei. - Adrien coloca em cima da mesa vários potinhos de guache.

- Melhor economizar - digo percebendo que verde, a cor que mais precisávamos, era a que estava mais em falta. - Vamos montar e pintar depois, para não pintar embaixo do vulcão.

Pego um pote da mochila, posicionando em uma das extremidades do isopor. Adrien desembala a argila e faz uma careta ao sentir sua textura.

- Não daria você como uma pessoa tão fresca assim, Agreste. - Provoco sorrindo.

- Não sou fresco - ele, ainda com cara de nojo, pega na argila por inteiro tentando provar o que disse. - Viu?

- Aham.

Modelamos a argila e Adrien não foi nada discreto ao parar aos poucos de pôr sua mão na meleca até o momento que não tocou mais, limpando em um pequeno balde com água que enchemos sabendo a bagunça que seria feita.

Esperamos secar e, enquanto isso, voltamos nossa atenção a decoração. Adrien, sem talentos nesse tipo de arte, pinta o isopor de verde, imitando grama, e coloca imitação de grama que eu comprei e trouxe em cima, como cola.

Ergo as mangas da camiseta para não sujar e pego as tintas. Prendo o cabelo com um pincel e Adrien para de pintar, me olhando ao invés disso.

- O que foi? - Passo a mão no rosto. Nem encostei na tinta ainda, mas, do jeito que sou, era capaz de eu estar inteira pintada.

- Nada. - Ele volta a pintar, mas mais uma vez para e me olha. Tento abrir os potinhos sem sucesso, entrego a ele sem dizer nada que já sabe o que significa. Ele me devolve e deixo respingar tinta vermelha na minha mão.

- Sabe, se tem alguma coisa no meu rosto é educado você dizer. - Procuro sujeira no meu rosto de novo e Adrien abre um sorriso pequeno. Reparo que se não tinha algo no meu rosto antes agora tinha, pois acabei de passar a mão suja de tinta no nariz.

Terminamos o vulcão na terceira aula, mas decidimos esperar secar bem antes de testar para não estragar.

- Quer sair comigo? - Adrien pergunta na frente do portão da escola quando estávamos indo embora.

- Agora? - Respondo sem entender.

- É, almoçar naquela lanchonete do centro.

- Vamos. - Concordo com a ideia dele.

Na volta entendo que não vamos conversar sobre o que aconteceu e eu definitivamente não vou falar que o amo para receber fora, então resolvo guardar isso dentro de mim por mais algum tempo. Diferença não vai fazer.

Adrien sabe que a Marinette é gente como a gente: pobre.

- júlia

Aligned | Adrien AgresteWhere stories live. Discover now