erinnerung

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Dra. Adora não conseguiu dormir enquanto ainda conseguia escutar os dentes de Srta. Applesause, sua abrigada, batendo por causa do constante frio. A arrumara um colchão e a deixou dormir no chão de seu quarto, mas Catra ainda tinha o corpo gelido pelo frio passado duas horas atrás. Adora temia pela vida dela e, é claro, pela própria, já que se os soldados armados resolvessem revistar as casas durante a madrugada, ambas estariam mortas ao amanhecer. Mas, mesmo com tudo que poderia acontecer, ele não conseguia evitar de se sentir familiarizada com Catra, uma mulher perdida e apavorada, com o rosto definido seco pela falta de hidratação e os cabelos cacheados como uma bagunça infinita que, por algum motivo, caía bem com os seus olhos azul-mel.

Durante a manhã, Adora percebeu que os olhos de Catra eram mais amarelos que cor de mel quando em contato com a luz do dia. A neve ainda caía fortemente na janela. Adora pendurava a bandeira vermelha, cobrindo o fato de que abrigara em sua própria casa uma das pessoas que os representantes daquela bandeira mais odiavam.

Catra estava parada na frente dele, com a mão estendida e os pijamas perfeitamente dobrados no colo. Vestia as mesmas roupas do dia anterior, ainda molhadas e amassadas.

- Eu preciso ir agora – ela disse. Adora reparou na voz rouca e cantada. Ela parou de falar para tossir.

- Você não pode. – Adora disse simplesmente.

- Eu posso, vou dar um jeito de passar pela rua sem que ninguém me perceba. – ela sorriu, o que também era raro ali, e estendeu a mão novamente.

Adora estendeu a mão ao mesmo tempo, apertando-a. Quando se soltaram, Adora sentiu a palma da mão úmida e, quando virou-a para ver o que acontecia, percebeu que era sangue. Segurou a mão de Catra e percebeu a mesma coisa.

- Oh, isso acontece sempre, não precisa se preocupar. – a cacheada falou, tentando deixar certa calmaria transparecer. Utilizou a pia para limpar as mãos.

Por algum motivo, Adora se lembrou do pai lavando as mãos com sangue inocente quando veio a visitar no inverno passado. Ele estava ainda mais loiro e bravo, o que fez dele uma pessoa estranha para a médica. Não tinha certeza da posição do pai no exército hitleriano, mas sabia que seu velho havia esquecido toda a humanidade muito rapidamente como alguém se esquece do nome de algum conhecido.

- Você vai ficar, vou cuidar disso logo. Sente-se ali e fique quieta enquanto busco minhas coisas. – Adora apontou para a cadeira da cozinha, onde Catra prontamente logo se sentou.

A médica a entregou um remédio, mesmo com duvidas extremas quanto ao seu funcionamento. Catra tossiu novamente, agradecendo.

- Eu preciso trabalhar, não posso faltar. – continuou, pegando dois casacos de sua poltrona e procurando suas chaves. – Fique aqui, por favor. Eu volto logo, juro, mas não quero que se arrisque saindo de casa.

- Eles só me matariam se agora estivéssemos no horário proibido. – Catra afirmou.

- Não, te matariam agora mesmo. É a profissão deles, senhorita Catra! Matar é a profissão.

Senhorita Applesause concordou em permanecer em casa durante as seis horas que se passaram até Dra.Adora voltar e se sentar em sua poltrona. Catra se sentou na poltrona oposta, o que fez a loira estremecer.

- Se sente incomodada? Posso te sentar em outro lugar, esqueci do fato de que sou uma convidada.

- Não, está tudo bem. – a loira sorriu levemente, lembrando-se do irmão. – A senhorita sabe que está doente, não sabe? Eu tenho um paciente que também...Você sabe, cospe sangue. Ele já esta bem melhor. Vou visitá-lo hoje.

- Hoje? – Catra perguntou, olhando para fora da janela e observando o céu levemente escuro fazendo contraste com a neve branca. O fazia questionar onde eles estavam. – Seu turno não terminou?

- Eu vou fazer uma visita àqueles pacientes que não tem dinheiro para pagar pelos meus serviços durante a noite. – Adora se levantou, pegando duas xícaras e a sua chaleira de chá. Catra pegou uma das xícaras. – Não sei que horas vou chegar, tudo vai ficar bem?

- Eu posso te acompanhar? – Catra perguntou, bebendo o chá fervente. – Eu posso tomar cuidado.

- Não, por favor. Não importa quanto tempo vai passar aqui, não vou te levar para o meu emprego. – Adora se convenceu. Se levantou novamente, vestindo um casaco extra.

Assim que saiu de casa, foi para o outro lado da rua e bateu na porta da madame Razz. Ela antes tinha condições de pagar pelo tratamento de Alzheimer, mas, com o tempo, não se lembrava mais do seu esconderijo do dinheiro. Seus familiares costumavam dizer que a doutora era a única pessoa que a senhora ainda reconhecia. Ela abriu a porta, andando com sua cadeira de rodas e sorrindo ao ver a ''velha amiga''. Adora se abaixou e deixou que ela tocasse seus fios loiros e beijasse sua testa.

- Mara! – ela disse, era a única palavra que ela falava sem dificuldade alguma.

- É Adora, madame Razz. – e a corrigiu, conferiu os remédios e cuidou de dar-lhe a vitamina.

Adora tinha certo carinho pela senhorinha. Ela o lembrava da mãe de seu pai, uma dócil pessoa com histórias para contar. Infelizmente, a madame Razz não se lembrava mais de sua história.

Ela voltou tarde para casa. Estava tão envolvida na história de vida de um dos senhores de meia idade que nem se lembrou de ter deixado Catra sozinha. Não queria parecer maldosa, mas ela nem mesmo a conhecia para ter deixado-a sozinha em sua casa.

Quando pisou na sala, percebeu imediatamente que algo estava diferente.E limpo. As cobertas que estavam no sofá haviam sumido e o chão estava perfumado.

- Catra? – gritou, indo até o quarto. Achou-a deitada no colchão, ao lado de uma cama perfeitamente arrumada com os cobertores que haviam desaparecido.

- Eu estou acordada. – ela falou, com os olhos ainda fechados. – Arrumei suas coisas e limpei a casa, espero que não se iumporte.

- Oh! Obrigada?

Houve um silencio constrangedor enquanto Adora vestia seus pijamas no banheiro e se deitava em sua – linda – cama.

- Conte-me sua história, Catra.

A cacheada se assustou com o pedido.

- Está falando sério?

-Bem, isso saiu sem querer, mas eu desejo saber. Conte-me sobre suas cores favoritas, seus desejos, sua infância.

- Minha infância?

Adora assentiu, sorrindo sem mostrar seus dentes brancos.

- Bem, eu nasci no mês de janeiro do ano de 1922. Meus pais moraram comigo até...bem, até semana passada. Tenho uma irmã chamada Lonnie e nos damos incrivelmente bem.

''Fui uma criança tranqüila. A partir dos meus 4 anos, passei todos os meus dias infantis em um parque fundado pelos vizinhos. Eles nos adoravam e nos chamavam para todas as festas de família. Eu via que eles e meus próprios pais tentavam me juntar ao filho mais novo, Kyle.''

''Eu dormia no mesmo quarto que Lonnie, pintado de um vermelho berrante bastante bonito, escolha minha.''

''Eu não tinha uma boa relação com a minha mãe, mas a pessoa mais interessante do mundo para mim era o meu pai. Eu o amei como nunca vou amar outro homem''

'' Seus cabelos morenos e olheiras fundas de cansaço me encantavam tanto que eu deixava de brincar com meus amigos para passar meu tempo com ele, ser ele. Meu sonho era ser como ele. Ele costumava me chamar de filha preferida, mas duvido muito que ela conseguiria escolher entre mim e Lon''

''E então...Mamãe morreu, minha infância acabou aí. Dediquei meuá anos a decorar meu quarto e cuidar dos meus bens preciosos: minha família.''

- Eu sinto muito.

- Não sinta, já se passou muito tempo. Eu fui uma criança feliz ao extremo, não se preocupe. – Catra afirmou. – Tenha uma boa noite, doutora.

Quando Catra dormiu, Adora pensou que não conseguiria deixá-la ir para as ruas. A manteria por perto.

Só não sabia dizer se fazia essa decisão por bondade ou solidão.

O Holocausto - ib: not a couple! infinitenonfictionWhere stories live. Discover now