Capítulo 2

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O primeiro dia de trabalho de Ofélia passou num borrão de apresentações, caras, corredores e visitas aos espaços do Castelo de Colmentina. Conheceram apenas a ala onde trabalhariam, claro. Seria impossível visitar todo o castelo em apenas um dia e não seria muito útil porque era tão grande que não fixariam nada de uma só vez.

À medida que se embrenhavam por corredores e salões luxuosos, cheios de nobres, alguns visitantes cumprimentaram Ofélia com vénias profundas. A maioria Ofélia identificou como mercadores (traziam pergaminhos e listas de compras e vendas), soldados (com a vestimenta real), negociantes ou eremitas (traziam sacos e embrulhos e os últimos tinham um ar excêntrico, apesar dos mantos compridos e simples). Todos trabalhavam para a corte ou tinham negócios no castelo.

Ofélia estremecia sempre que um deles a cumprimentava com maior reverência ou a bajulava com elogios.

"Oh senhorita, o que me diz deste novo barco de comércio?", perguntou-lhe um mercador apontando para um pergaminho onde um projeto de um barco estava rabiscado.

"Menina Ofélia, o que pensa da vinda de mais soldados para o reino, foi uma boa jogada hein?"

"Senhorita, como têm passado no castelo, ainda não há sinais que a peste cá tenha chegado?"

Ofélia limitou-se a acenar e sorrir e os três visitantes elevaram as mãos pedindo explicações que não lhe foram dadas.

"Como é que é suposto sabermos tudo isto? Não deveriam eles perguntar isso ao rei ou ao príncipe ou, sei lá, a cortesãos mais experientes?", sussurrou Ofélia para Mariana.

"Logo alguém vos virá esclarecer, meus senhores", disse Mariana, com um sorriso tão largo e um tom tão pomposo que o rosto dos três visitantes se iluminou. Pareceram imediatamente esclarecidos.

"Como é que fizeste isso?", exclamou Ofélia com um gemido.

"Na corte, mais importante do que ser é parecer. És uma aia", disse Mariana encolhendo os ombros, "tudo o que lhes disseres será exatamente a resposta que eles queriam ouvir".

Ofélia abanou a cabeça. Nunca teria o jeito natural de Mariana para lidar com cortesãos. Talvez fosse algo com que se nascesse e não pudesse ser totalmente adquirido. Ofélia suspirou, enveredando por mais um corredor luxuoso, decorado com castiçais de ouro e cristal, velas de cera cujas chamas crepitantes iluminavam pinturas antigas de nobres, príncipes e princesas, reis e rainhas, de todas as idades em posturas solenes.

Na corte, mais importante do que ser é parecer, repetiu para si própria, observando os olhares imponentes das figuras altivas.

Talvez Ofélia não desejasse tanto ser um deles como Mariana e esse fosse o problema, pensou, largando um suspiro.

Missão: sobreviver àqueles últimos três meses.

Ao fundo do corredor, entraram noutra gota, e no intermédio entre as gotas, o sol exterior queimou-lhes os rostos. Pássaros da manhã chilrearam distantes e ramos da cerejeira em flor sacudidos pelo vento roçaram-lhes o cabelo largando uma nuvem de folhas cor-de-rosa bebé sobre eles. As aias e cortesãos apressaram-se para entrarem na próxima gota e se protegerem do sol, mas Ofélia ficou para trás para inspirar o aroma doce de uma flor de cerejeira que a encheu-a de coragem para continuar.

"Este é o salão de baile, que terão oportunidade de frequentar já na próxima semana, no vosso primeiro baile!", anunciou a aia Catarina, enquanto rodopiava pelo salão, entre castiçais de cristal, colunatas de névoa e cortinas de ceda, sob uma grande cúpula pintada de ouro. "Por esta altura já deverão ter tido um pequeno treino das funções esperadas de uma aia – entreter os convidados, estudar cada um deles e prestar esclarecimentos aos príncipes, aias e cortesãos mais velhos. São os seus olhos e os seus ouvidos na corte. Devem ter-vos sido demonstradas as maneiras formais e básicas de se introduzirem e de cumprimentarem os nobres, bem como os passos básicos das danças principais", disse Catarina, dançando e rodopiando sobre o chão de mármore. Os seus passos ecoaram como um batuque assustador e promontório e Ofélia estremeceu.

Danças e Poções - CONCLUÍDAWhere stories live. Discover now