Parte 2 - Capítulo 6

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Ofélia caminhou pelo campo de dentes de leão na traseira do castelo, acariciando-os com as mãos. O orvalho da manhã molhou-lhe as mãos e o cheiro puro a terra molhada e a madrugada encheu-lhe os pulmões de revigorada esperança.

Os dentes de leão cresciam livres e selvagens, com o vigor dos seres protegidos pelo desprezo, subestimação e esquecimento, nas profundezas da floresta onde já ninguém ia fazia muito tempo. Talvez por serem uma espécie de segredo só dela, Ofélia os achasse ainda mais belos. Ali, sob os primeiros raios de sol da madrugada, ondulavam com o vento que, de quando a quando, levava um deles consigo.

A magia que existia ali naquele campo não era uma magia como a das poções. Era uma magia muito mais simples, mas Ofélia sabia bem ser muito mais poderosa. Afinal, nenhuma poção seria capaz de lhe devolver a esperança como aquele campo de dentes de leão. Pelo menos, nenhuma que ela conhecesse. Apenas aquele tipo de magia voltaria a encher o seu coração depois de ele ter ficado tão vazio.

Ofélia também sabia, contudo, que os dentes de leão eram poderosos elementos na poção que decidira criar durante a noite e por isso, olhou por cima do ombro e, quando confirmou que estava sozinha, arrancou alguns.

Estava na hora de criar poções que não serviriam para a guerra. E havia uma de que precisava desesperadamente. Ofélia criaria uma poção do amor de verdade. Afinal ela não poderia confiar no príncipe maquiavélico. E se ele decidisse contar toda a verdade quando se fartasse dela? Ela seria expulsa do castelo e nunca mais faria uma poção na sua vida. Não, ela tinha que ter um plano B e a poção do amor verdadeira seria o seu plano B. Tinha pensado a noite toda sobre o assunto e, embora lhe parecesse errado fazer uma poção assim, ela convenceu-se que não seria muito errado se a guardasse em segredo e se só a usasse se fosse mesmo necessário. Além disso, provavelmente nem sucederia. Nenhuma das suas poções mais complicadas funcionava muito bem (se não contasse com algumas poções com segundos de duração e algumas que resultaram em explosões acidentais).

Ofélia colheu ainda alguns ramos de rosmaninho e pétalas de margarida e quando terminou já o sol de inverno lhe acariciava o rosto com um calor inesperado. Antes de partir, Ofélia voltou-se na direção dos raios de sol e inspirou fundo. Tinha saudades de acordar sobre as pétalas macias de uma margarida, de correr até ao faval e de voar sobre ele, de interromper o voo de borboletas que estranhavam a presença de um ser sem asas entre elas. A poção para encolher (que lhe permitia dormir em flores) fora a sua melhor invenção, seguida de perto pela poção para voar (mesmo que o seu efeito fosse muito curto e as quedas muito frequentes). Ofélia tinha saudades de quando a sua vida ainda lhe pertencia. Mas o castelo esperava por ela e por isso Ofélia despediu-se, levando consigo um bocadinho da magia ali existente, um bocadinho de coragem.

*

"Estás outra vez atrasada", disse a Mariana com um sorriso. Aquela tinha se tornado a sua frase preferida para cumprimentar Ofélia.

Ofélia suspirou e bufou contra o cabelo que se colava ao seu rosto transpirado pela corrida matutina já habitual até ao castelo. Como não podia contar as razões que a levavam a chegar sempre atrasada e a estar sempre cheia de pressa para ir embora (apesar de ninguém saber o que raio a ocupava tanto), Ofélia desculpou-se com o facto de ter adormecido (mais uma vez).

"Como correu o baile ontem?", perguntou Ofélia, quando finalmente as arfadas de ar cessaram e a sua respiração regressou ao normal. Ofélia estava curiosa sobre o que teria perdido (ou melhor, ao que teria escapado) no baile de ontem. Mariana pedira a Ofélia para trocarem entre as duas as noites de baile naquela semana e por isso Mariana fora ontem ao baile na vez de Ofélia e Ofélia iria substitui-la no dia seguinte.

"Não foi muito mau... se ignorar uma dança humilhante e as nódoas negras nos meus pés de ser tanta vez pisada...mal consigo andar..." respondeu Mariana, "...o príncipe Tristan passou a noite a troçar de mim", confessou com um sorriso.

Danças e Poções - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora