Capítulo 12

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Ofélia não se conseguia concentrar na receção aos novos soldados ao palácio dos Ventos Uivantes, sorria e cumprimentava-os de forma mecânica à medida que, um a um, lhe faziam vénia empunhando a espada ao peito, mas a sua cabeça estava noutro sítio. O baile no castelo da Meia-Noite tinha sido bastante pior do que tudo o que antecipara. Tinha olheiras por ter passado a noite acordada. Como não conseguiu adormecer com todas as músicas e danças e a conversa com o príncipe na cabeça, decidiu passar a noite a preparar pó celeste das Montanhas Lunares, mas só de madrugada se conseguiu lembrar onde guardara as lágrimas de sardão quando um raio solar do amanhecer incidiu nelas no topo de uma das estantes velhas.

"Ofélia, está tudo bem?", perguntou a madame Rita de olhos arregalados, olhando Ofélia de alto a baixo mal contendo uma exclamação, "pareces... cansada. Essas não são as mesmas roupas que usaste ontem? Estão cobertas de..." Madame Rita olhou Ofélia com mais atenção, aproximando o nariz emproado dos fios cor de rosa das aranhas da madrugada que pendiam das roupas de Ofélia, mas não fazia ideia do que se tratavam nem era capaz de os descrever. As roupas de Ofélia estavam cobertas deles, não tivesse ela andado a noite toda por entre estantes velhas e frascos esquecidos no sótão que dividia com as aranhas da madrugada.

"Hm... está tudo bem, madame Rita", disse Ofélia, forçando um sorriso. Mas quando levantou o braço para esfregar as linhas tensas da testa, caiu-lhe de ambos os braços um pozinho branco cintilante que formou uma nuvem em torno dela e da Madame Rita, era da Neblina da Memória onde encontrara as lágrimas de sardão.

Madame Rita soltou um pequeno gemido e Ofélia baixou os braços imediatamente e, antes de poder dizer mais alguma coisa, Madame Rita fugiu por entre a nuvem de pó a tossir.

No dia seguinte, as coisas correram ainda pior. Ofélia chegou ao palácio dos Ventos Uivantes atrasadíssima. Como estava ensonada quando bebeu a Poção do Transporte Rápido para ir para o trabalho nessa manhã, pegou no frasco errado e bebeu por engano a poção da Mudança de Roupa e, por isso, sentava-se agora com lorde Francisco na poltrona do salão de visitas, ostentando um vestido amarelo volumoso que parecia uma fantasia de um bobo da corte para a Primeiras Chuvas. O olhar do duque Francisco desviava-se frequentemente para o enorme volume amarelo que ocupava todo o sofá e que fazia com que estivesse sentado a alguns metros da anfitriã com ar tresloucado.

"Gostaria de vir ao castelo da Meia-Noite esta noite, lorde Francisco?", perguntou-lhe Ofélia numa voz melódica, sóbria e digna, mas a sua imagem era arruinada pela sua indumentária, não importava o quão se esforçasse. "O baile será certamente do seu agrado", atirou Ofélia da outra ponta do sofá, com um sorriso.

O duque olhava-a estranhamente, mal a conseguia ouvir de tão longe que estava devido aos metros de tecido amarelo entre ambos, o rosto franziu-se-lhe e mexeu-se no sofá, no pouco espaço que os folhos amarelos lhe permitiam. "Hmm...", clareou a voz, olhando em redor "talvez para a próxima. O exército precisa de todas as minhas forças... aliás", o duque levantou-se, "devo ir descansar mesmo agora... mas desejo-lhe uma boa noite senhorita Ofélia. E cumprimentos ao príncipe Tristan" acrescentou com uma vénia.

Príncipe Tristan? Porque haveria Ofélia de dar cumprimentos ao... oh! O coração de Ofélia saltou uma batida, mas logo se deixou afundar no sofá e nos metros do ridículo tecido amarelo que a rodeavam quando uma súbita compreensão a atingiu como um murro no estômago. Os rumores tinham-se espalhado.

Nessa noite, Ofélia correu até às Cascatas da Meia-Noite antes de ir para o baile no castelo da Meia-Noite. Precisava de colher os dentes de leão com brilho lunar, pois apenas quando eram colhidos até à meia-noite serviriam para a poção, de outra forma perderiam as suas propriedades. Mas não eram os dentes de leão que ocupavam a sua mente quando cortava o vento com determinação, eram as palavras que duque Pedro lhe acabara de dirigir mesmo antes de abandonar o palácio dos Ventos Uivantes numa correria despropositada, "tens de te esforçar mais se queres ser aia aqui, Ofélia. Tínhamos boas recomendações a teu respeito".

Danças e Poções - CONCLUÍDAWhere stories live. Discover now