Capítulo 18

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Porque não tinha Mariana dito nada antes? Ofélia observou-a e arregalou muito os olhos.

"Onde... onde está a tua mãe?", perguntou. Temia a resposta.

Mariana tapou os olhos húmidos com as mãos. "No castelo."

Ofélia emitiu um gritinho abafado. A confirmação do que temia atingiu-a com uma pontada de dor aguda. Ter um infetado no castelo era um crime terrível e um perigo para todos na corte.

"Suspeitava... suspeitava que algo se passava nos mosteiros...", continuou Mariana entre fungadelas, "que os eremitas... não salvavam realmente as pessoas, porque as que salvavam eram as que desapareciam..."

"Dir-lhe-ei que esperas por ela...", disse Ofélia quando voltou a conseguir falar, poupando a Mariana a explicação, "... que mandas as melhoras."

Mariana acenou em silêncio.

A mãe de Mariana escondia-se numa gota oculta na neblina e o que Ofélia encontrou fê-la estremecer. Uma mulher muito pálida definhava num leito de pétalas de margarida. Ofélia não podia imaginar um sítio mais agradável para se morrer, mas isso não a confortou naquele momento.

Ofélia aproximou-se com passos vacilantes, não tinha a certeza se a senhora estava acordada ou se estava viva. Não havia sinais que respirasse.

"Olá... eu chamo-me Ofélia. Não é preciso assustar-se, sou uma amiga da sua filha... Mariana". A voz de ofélia ecoou pelas paredes de pedra da gota como numa tumba, e a única resposta que recebeu foi o seu próprio eco, pois a senhora não parecia tê-la ouvido, ou se ouviu não deu o mais pequeno indício disso. Continuava tão quieta como uma rocha e tão pálida como as folhas do seu leito. Ofélia temeu ter chegado tarde demais. "Preciso... preciso de uma gota do seu sangue... apenas uma gotinha". Ofélia aventurou-se a aproximar-se mais um pouco e inclinou a cabeça sobre a senhora.

Os olhos da mulher abriram-se. Ofélia saltou.

A mulher não falou.

"Precisa de alguma coisa? Eu posso trazer-lhe...", a voz de Ofélia tremeu e desapareceu. Percebeu que devia logo ter oferecido ajuda em vez de ter ali entrado a pedi-la. Provavelmente já ninguém ali entrava fazia muito tempo ou estariam contaminados também. Ofélia não teria muito tempo para fazer a poção até ela própria desenvolver sintomas.

"Apenas preciso de saúde", disse uma voz amistosa muito ténue que Ofélia mal conseguiu ouvir. Seguiu-se um gemido e o que pareceu um suspiro. Ofélia observou os grandes olhos azuis da senhora. Eram iguais aos de Mariana, mas estes não tinham qualquer brilho, encaravam a neblina acima, vazios. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Por momentos foi Mariana que viu ali à sua frente.

A senhora estendeu-lhe o braço e Ofélia percebeu que a sua tarefa não era só letal, mas também muito difícil. Depois de colher o sangue, a senhora não voltou a mexer-se. Ofélia estremeceu e saiu a correr da gota. Só voltou a respirar quando estava do outro lado.

*

Estava tão assustada que só ouviu o crocitar do corvo que se aproximou veloz por entre as colunatas do castelo quando este esvoaçou em círculos à sua volta. As penas negras cintilaram sob a luz e Ofélia arregalou os olhos ao ver que eram na verdade cor de ouro.

"Penas douradas... De onde vens?", perguntou-lhe Ofélia. Um corvo dourado não era dali, "...só há pássaros com penas douradas no Vale da Primavera... lorde Ricardo!", exclamou Ofélia, em compreensão, atirando as mãos ao animal. "Ei, vem cá, vem cá...".

Ofélia correu atrás do pássaro até às águas da Cascata. O pássaro esvoaçou entre as gotas até à clareira do Bosque atrás do Castelo da Meia-Noite. Debicou uma margarida e a flor abriu-se em protesto numa explosão de orvalho frio. Salpicos molharam a cara de Ofélia que reclamou com a flor. Mas logo estacou maravilhada a olhar para ela.

Danças e Poções - CONCLUÍDAWhere stories live. Discover now