Capítulo 16

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"Onde está o príncipe Tristan, Ofélia?", perguntou a princesa Eileen como se acabasse de dizer bom dia. De facto, a princesa estava tão impecavelmente vestida e arranjada que era como se tivesse sido teletransportada do baile no palácio dos Ventos Uivantes até ali. Nem uma única mexa de cabelo lhe caíra do apanhado de cabelo cacheado. Não tinha o aspeto de uma pessoa raptada. Nenhum deles tinha.

"Eu... não sei", disse Ofélia, vacilando o olhar entre os três monarcas, um pouco confusa com a calma que todos aparentavam, "mas o melhor é despacharmo-nos... ficar aqui especado não nos vai ajudar a fugir, temos que..."

Era de supor que ele estivesse aqui por esta hora", disse a rainha Mónica olhando mais uma vez o relógio de ouro que segurava, ignorando Ofélia.

Ofélia sentiu-se meia tonta. Grunhiu, exasperada.

"O príncipe Tristan? Ele não virá", disse, irritada por todos acharem que ele preferiria vir salvar uma aia qualquer ao reino dos mortos em vez de fugir para o mais longe possível daquela corte.

Quando os três monarcas ignoraram Ofélia e continuaram a olhar para os relógios de bolso e a sussurrar, não aparentando a mínima urgência em fugir dali, Ofélia percebeu que era hora de acabar com toda aquela fantochada. "O príncipe Tristan não virá salvar-me porque nunca houve poção do amor. Foi tudo uma farsa. O príncipe Tristan nunca gostou de mim". Naquele momento, ao admiti-lo, Ofélia admiti-o a si própria também, e a verdade atingiu-a como uma pontada de tristeza inesperada. Sentiu-se triste, mas não se sentiu humilhada. Estava orgulhosa por finalmente acabar com aquela farsa e, mais do que tudo, arrependida. Na sua busca por ser melhor do que os cortesãos, tinha acabado a jogar o jogo de dissimulação deles. "Era uma poção falsa!", gritou. "Vamos... não precisamos de esperar por ele para fugir daqui". Ofélia apressou-se na direção da porta, mas nenhum dos monarcas se moveu. Não era a reação que Ofélia esperava.

Os murmúrios de conversação voltaram a morrer e a rainha Mónica olhou para Ofélia. Depois franziu o sobrolho e suspirou, parecia aborrecida pela interrupção. "Matem-na", gritou, seguiu-se um novo suspiro, e depois o retomar da conversação.

Ofélia sentiu o seu coração saltar-lhe do peito. Mas antes que conseguisse dizer o que é que quer que fosse, os dois guardas prenderam-na.

O príncipe Golin e a princesa Eileen deram um passo na direção de Ofélia mas logo pararam.

"Precisamos dela...", disse Golin, vacilando o olhar entre a mãe e Ofélia.

"Tristan virá", disse a rainha para os dois príncipes, "Se não é pela poção do amor, então é ainda pior do que antecipámos. Não há dúvida que ele virá. Mas agora nenhum antídoto resolverá o problema."

Golin e Eileen retomaram os seus lugares junto da rainha Mónica, e Ofélia foi novamente esquecida.

Mas ser esquecida e menosprezada, é, como Ofélia aprendeu, muitas vezes uma ótima oportunidade. É muito melhor ser menosprezado do que glorificado, porque isso nos dá a oportunidade sermos melhor. A glorificação levou-a ali. Mas o menosprezamento iria tirá-la dali. Apenas porque ninguém lhe prestou grande atenção, Ofélia pôde tirar com os dentes o frasquinho de pó lunar que tinha no bolso interno do vestido. Tinha o guardado para o utilizar durante o baile. O fogo de artificio tinha-a lembrado de criar outra diversão visual - um nevoeiro místico e mágico.

"Se me matarem voltarei com um exército de mortos-vivos e vou vos perseguir a todos para sempre", disse, no tom mais profético que conseguiu, transformando-se numa eremita a adivinhar o futuro. Depois deixou cair o frasco da poção que se estilhaçou no chão, derramando um líquido branco brilhante que rapidamente se transformou numa neblina branca. Um nevoeiro cintilante ergueu-se dos estilhaços de vidro. Caras e corpos fantasmagóricos tomaram lugar numa nuvem gigantesca – eram as almas ocultas pelas luzes- que-não-iluminavam. O nevoeiro tinha dispersado a luz e tornado as almas visíveis sob a forma de espectros e silhuetas translúcidos. Os rostos assomaram ao salão com gritos de luta, ou pelo menos foi isso que os três espectadores horrorizados viram. Ofélia ouviu gritos assustados e viu almas a fugirem perante a repentina atenção dos vivos. Ofélia pensou ouvir alguns risos também. Ecos longínquos. Então Ofélia compreendeu e não pode evitar um sorriso. As almas não estavam assustadas. Na verdade, elas tinham-na ajudado e representado. Ofélia nunca tinha visto almas nem imaginado que poderiam ter sentido de humor.

Danças e Poções - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora