Capítulo 7

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À medida que os dias passaram, Ofélia começou a chegar quase sempre mais cedo e a sair quase sempre mais tarde do que os outros cortesãos. Era a única maneira de aprender tudo sobre os convidados, familiarizar-se com as rotinas e horários da corte da Meia-Noite.

"Eu ajudo-te com o lanche", disse Tiago uma manhã, ao encontrar Ofélia a travar uma luta com um bule de chá fumegante.

Ofélia saltou ao ouvir a sua voz inesperada e acabou a entornar o chá todo e dar uma pancada na mesa e estilhaçar 2 chávenas de porcelana muito antigas. Ofélia abafou pequenas exclamações, o seu vestido estava ensopado.

Tiago correu a ajudá-la e pediu imensas vezes desculpa. Pegou noutro bule e preparou duas chávenas sem qualquer dificuldade.

"Chá de limão para a princesa Ana. Vinho tinto com mel silvestre para a rainha Mónica".

Encheu as pequenas chávenas com naturalidade e precisão inatas.

Ofélia bufou contra o cabelo que se lhe colava ao rosto transpirado e retomou a luta, desta vez com os talheres. Jamais entenderia a utilidade de tantos formatos diferentes. O ouro polido das peças metálicas cintilou sob os raios de sol da manhã e o relevo e trabalhados nas suas pegas transformaram-se em bonitas obras de arte.

"Pode parecer confuso ao início, mas não é suposto ficares a admirar os talheres... aqui, estes são os do chá".

O duque Tiago pegou nas colherzinhas decoradas com rostos de pequenos anjos e colocou-as no tabuleiro de cristal, junto das chávenas.

Ofélia acenou, com um misto de derrota e agradecimento.

*

O verão sucedeu à primavera e as árvores encheram-se de fruto, mas Ofélia mal dera pela passagem do tempo, fechada no castelo. Todas as madrugadas, ao atravessar a cascata de pétalas de rosa vermelha, era atingida por uma pontada de frustração. Lá fora, os dias de verão esperavam por ela cheios de possibilidades que nunca seriam aproveitadas. Como gostaria de se deitar à sombra de um chorão embalada pela brisa quente de verão enquanto sonhava e imaginava. Teria muitas poções novas para imaginar.

A única coisa que lhe dava algum conforto na corte era receber os convidados, sobretudo os aldeões. No verão, a peste tinha abrandado e vieram mais aldeãos até ao castelo. Vê-los era como respirar lufadas de ar fresco e ver vislumbres do mundo lá fora. Ofélia oferecia a cada um deles um sorriso ao invés de um bom-dia azedo, e, do alto do seu estúpido estatuto de aia, constatou que isso lhes fazia o dia. Ofélia escutava-os quando os nobres os ignoravam e tratava-os com igualdade quando todos na corte os desprezavam.

Mas um dia, algo inesperado aconteceu quando acompanhava a rainha Mónica numa das suas visitas aos convidados. Estavam prestes a receber um aldeão cuja família padecia da peste, que pedia abrigo. Claro que Ofélia sabia bem a resposta do castelo aquele tipo de pedidos: todos eles eram negados. Mas quando a Rainha Mónica lhe passou a mão pela face numa carícia, Ofélia abafou um gemido. Nunca nada a deixara tão infeliz e Ofélia sentiu-se uma pessoa terrível por pensar assim. Naquele dia, começou até a duvidar das suas razões para odiar a bruxa. Talvez a rainha Mónica não fosse má, talvez o problema fosse seu desde o início.

Como seria melhor se ela tivesse sido repreendida por uma pessoa verdadeiramente má. Ser repreendida por uma pessoa boa era terrível.

*

Nesse dia, Ofélia chegou a casa desanimada e com as roupas encharcadas e a pingar pelo chão, porque viera a pé do castelo e lá fora estava a chover torrencialmente.

"Porque não usaste a tua poção de Transporte Rápido?", perguntou-lhe a mãe, quando Ofélia entrou na sua gota.

Ofélia lançou as suas roupas ensopadas no sofá.

Danças e Poções - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora