Estranho

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"amor"

—Brian eu já disse para sumir.

"você sabe que eu não posso sumir"

Saio pela porta dos fundos do lugar, entro no estacionamento de funcionários e começo a pegar as chaves do meu carro na bolsa.

Sei que em partes é porque ele tem que terminar as coisas terrenas, agora, só me falta descobrir quais são elas para despachar ele para o além, ou seja, já o lugar para onde eles vão, certo dia somem de vez e eu sei que partiram definitivamente. Eu sei que parte de mim está falando isso da boca para fora porque quero muito que o Brian esteja por perto, foi um choque quando acordei um dia após seu funeral e ele estava lá, bem diante dos meus olhos materializados com as roupas das quais usou quando tive que reconhecer seu corpo, algumas vezes é frustrante quando se trata de pessoas que eu conheço, mas nunca pensei que ele ficaria para trás.

Não ele, o homem mais gentil e de coração bom, bem resolvido que eu conheço.

Parte de mim se reconfortou, mas a outra parte se preocupou porque sabia que em algum momento eu teria que ajuda-lo a descobrir seus motivos e propósitos e isso é cansativo para mim em vários sentidos, hoje, ainda mesmo depois de tanto tempo após sua morte ainda não faço a mínima ideia de qual é a coisa terrena que ele deixou para trás, por mais que eu tenha pesquisado com ele, que tenhamos olhado em tudo, contas, e-mails, verificado conversas antigas em chats com a família em seu celular, não achamos nada.

— Hei, você, espera.

"Parece que alguém está procurando por você"

Me viro, levo ao menos dois segundos para sentir uma onda estranha e fria me invadindo o corpo, meu coração se acelera e vejo Sea se aproximando em seu smoking preto com gravata borboleta, ele é tão alto, os cabelos penteados para trás, agora ele está com a barba por fazer pelo que soube para um papel em uma nova série na Escócia, me sinto desapontada e ao mesmo tempo, tento não permitir que nada me abale, mas é inevitável.

"mas que porra é essa cara?"

— Cala a boca Brian — ordeno secamente.

Brian está confuso, eu também me sinto um pouco assim, diria desnorteada, mas engulo isso, Sea se aproxima mais e fica diante de mim e fico um tanto paralisada com a cena estranha dessa figura pequena pendurada em seus ombros, não é uma figura infeliz, é um menino de cabelos escuros e olhos negros, ele está todo sujo, ele não sorri, mas parece perdido, seu espectro é tão denso e sujo, um tanto amedrontado, sinto um bocado de pena.

— Desculpe? — Sea pergunta confuso.

"isso é um demônio?"

Não, não é um demônio, demônios não se configuram como crianças.

— Nada — digo e dou meu melhor sorriso para Sea — Desculpe? Em que posso ajudá-lo senhor Martin?

Tento não olhar, acho que desde que nasci nunca vi algo assim, talvez eu não tenha notado o menino porque logo de cara eles não se revelam assim para mim, pode levar até alguns dias até que apareçam, que eu tenha alguma intimidade ou que a pessoa envolvida me deixe me aproximar...

— Receio que tenha visto algo desagradável, quero me desculpar formalmente.

— Não há necessidade, não se incomode.

"Ele parece o bibiro do filme do O Grito"

— Não é Bibiro Brian, é Toshio. — Corrijo discretamente.

Atormentada * DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now