Realidade

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Tomei um banho ouvindo os sons das minhas filhas conversando no meu quarto, elas falavam algo sobre tarefas da escola e vídeos no tik tok, não sei exatamente como funciona esses aplicativos, mas tem horas que confesso que tenho alívio de saber que elas se distraem um bocado com todos eles na internet. Fiquei por minutos me olhando no espelho e me questionando sobre coisas das quais não quero e não devo, há caminho de casa eu chorei um pouco, vim de a pé caminhando pelas ruas do meu bairro e dizendo para eu mesma que era idiotice demais chorar por conta daquilo, acho que merecia ao menos um obrigado e não uma crítica sobre — mais uma vez — meu corpo.

Gostaria que as pessoas fossem diferentes.

Só que elas não são e eu nem sei porque eu cheguei a pensar que Sea Martin fosse diferente, ele não é, ele é só um porco da indústria que olha para o resto do mundo como se fosse superior, com um rei na barriga, isso me faz mal, me faz tão mal que me sinto enojada.

Decidi me livrar de todos os posters que eu tenho dele, das camisetas, das revistas, estou juntando tudo em uma caixa para jogar na churrasqueira e tocar fogo, ainda percebo que as lágrimas caem por minhas faces enquanto reúno tudo o que tenho aqui guardado há anos, acho que está na hora de eu começar a crescer.

Minha fé na humanidade nunca foi tão fraca e isso faz com que me sinta medíocre, um dos piores sentimentos que alguém pode experimentar na vida. Analiso mais essa camisa com uma foto dele sorrindo, a impressão péssima me faz lembrar do dinheiro que eu juntei para mandar estampá-la, abraço a camisa, sempre lavo todas as minhas peças com estampas dele, são vinte e cinco no total, limpo as revistas, os posters, os recortes, tenho um caderno com fotos e entrevistas dele, agendas, cadernos, até um diário, acho que em um momento bem duro da minha vida eu me apeguei muito ao Sea.

Como se ele fosse a única pessoa do mundo em que eu pudesse me firmar, até quando o Brian morreu, me vi colocando uma das camisetas por baixo da minha roupa para ir ao enterro, foram ciclos e ciclos da minha vida e essa fixação não morria dentro de mim, hoje, no entanto, só quero me livrar dessa sensação ruim.

Se decepção matasse...

Jogo mais essa camisa na caixa e fico olhando para os recortes espalhados pela minha cama, as meninas já estão lá embaixo e imagino que estejam pedindo algo para comer, logo que entrei no quarto só pela minha cara elas entenderam que deveriam sair.

Foi uma manhã bem agitada e frustrante, mas enfim, é assim que têm sido minha vida há um bom tempo, pessoas aparecem pedindo ajuda, pessoas vivas, pessoas mortas, pessoas da igreja, obviamente por debaixo dos panos coisas que acontecem e que nem sempre dão certo.

Acho que me acostumei com alguém que entendeu meu dom e o aceitou por completo, alguém que esteve ao meu lado e que me aceitou do jeito que eu sou, algo que sempre foi além do físico, acredito muito que jamais conseguirei encontrar outro par, Brian se foi e deixou esse buraco na minha vida do qual jamais será preenchido e talvez por isso tenha um pouco de medo de que ele vá por completo.

Limpo minhas faces e choro involuntariamente, a podridão por trás daquelas palavras me fazem ver que fui superficial por muitos anos da minha vida, acreditei nessa coisa que nutri por uma imagem, a imagem de um cara que eu abomino cada momento em que se passa e vou conhecendo mais tenho absoluta certeza de que não quero por perto.

Junto os recortes e vou jogando tudo na caixa.

Coloquei uma calça legging de cor marrom e uma camiseta da mesma cor, prendi meus cabelos num coque e decidi que depois que eu fizer isso, vou começar a investigar a questão do menino no prédio do hotel, talvez a Lara ou o Silver possa me dar informações privilegiadas a respeito do antigo prédio.

Atormentada * DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now