Amizades

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Sinto um arrepio que me confunde toda quando coloco os pés na calçada da delegacia, ao mesmo tempo que vejo o espectro do Brian me seguindo muito inquieto, acho que todos os acontecimentos de ontem me deixaram bem agitada, contudo, ao mesmo tempo noto que as coisas por aqui não andam bem.

Deixei as meninas na escola e vim, escuto a vibração do meu celular na bolsa e o ignoro mais uma vez, só não vou desligar porque sei que posso ter emergência, mas já sei de quem se trata.

"Até quando vai continuar ignorando ele?"

— Até quando eu quiser.

Depois que falo subo os degraus de entrada do lugar, entro na recepção e passo pelo rapaz sorridente, é um policial que já me conhece há tempos, vou caminhando pelo departamento e vendo as mesmas peças de sempre. Feliz ou infelizmente a cidade tem muitos fantasmas por assim dizer, eu mal ouso colocar meus pés próximo aos quarteirões do Memorial do 11 de setembro, me lembro de todas as vezes que passo por perto e escuto aqueles sons aterrorizantes de gritos, desespero, dor, medo, das poucas vezes que fui lá, estava dando auxílio a uma família e isso me esgotou, filtrar todas as energias e se concentrar sem se contaminar por tudo aquilo é algo que demanda atenção e cuidado.

Demorei muito tempo para controlar tudo o que sinto e saber como não permitir que seja influenciada por eles, porque sei que eles estão em todos os lugares, na padaria, no supermercado, na escola das meninas, sob olhares que passam despercebidos, sendo ignorados até que se manifestem.

Então, não, não posso me dar ao luxo de deixar que nada a minha volta me assuste, acho que a essa altura da vida já vi tantas coisas que poucas conseguem me tirar de órbita, os mortos não machucam ninguém, mas vivos sim.

"Por que vocês brigaram mesmo?"

— Ele falou a respeito das manchas nas minhas cochas.

"Ah não, sério?"

Bato na porta da sala de Silver e o espectro do Brian desaparece, logo em seguida Silver abre a porta e me dá um sorriso caloroso.

— Menina prodígio.

— Silver, há quanto tempo?

— O velho Joe está de mal humor?

— Ao que tudo indica não.

Joe é um antigo delegado que cuidou do departamento por quase quarenta e sete anos, se suicidou no local um pouco antes de sua aposentadoria, infelizmente ele não quer sair do lugar, fica vagando pelos corredores do lugar com um semblante exausto, quando vim aqui pela primeira vez tentei me comunicar com ele, mas não obtive sucesso, infelizmente suicidas tem momentos problemáticos de aceitação mediante sua partida, principalmente os que não se arrependem antes da morte, esses vivem o pós vida plenamente crentes de que ainda estão vivos, beirando momentos de lucidez da vida antiga e de loucura. Ele é assim, Joe é da velha guarda, entende que é protetor do lugar e que seu dever é cuidar de tudo, não costuma interferir no plano terreno, contudo, quando está agitado as coisas ficam meio conturbadas aqui.

— Preciso das informações que te enviei via e-mail, sobre o menino e a mãe dele.

— Foi um pouco complicado porque eram imigrantes ilegais, mas consegui, com sorte você consegue encontrá-la aqui na cidade, como estão as meninas?

— Estão ótimas, obrigada por perguntar.

Silver é um homem com seus quarenta e poucos, tem bigode e cabelos brancos espalhados por toda a cabeça, é oficial substituto. Ele me entrega as pastas e as coloco no bolso da minha bolsa.

Atormentada * DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now