Fazer

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— O que está fazendo?

Tenho encontrado paz em momentos de meditação, reflexão e só consigo encontrar silêncio no meu próprio jardim, até agora. Não me dou ao trabalho de olhar para trás, continuo a separar algumas mudas para replante das trepadeiras perto da cerca, eu francamente não esperava que depois de quase cinco semanas ele tivesse a ousadia de aparecer, porém, enfim, decido nem começar a pensar sobre isso, troquei meu número de celular justamente para evitar qualquer tipo de contato até porque não tive dias tão legais depois do que houve.

Parece que com a chegada do grande astro um bocado de coisas que havia se equilibrado em minha vida foi jogado para longe, não sei exatamente como e quando permiti perder o controle de tudo, porém sei que foram dias difíceis e eu estive concentrada em tentar lidar com meus problemas.

Minha vida nada perfeita com a família do Brian.

Não tenho atendido ligações do pai dele nem do Gaspar, optei por não ter contato, para mim o que houve na casa deles naquela noite foi a gota, o espírito do Brian está presente, mas não se aproxima, ele recuou e isso diz muito sobre o que talvez seja sua jornada em si do que eu pensava.

Sea Martim não tem nada a ver com a partida dele, Sea foi apenas um pequeno erro de percurso. Eu o vejo se inclinar e me estender um buquê de flores brancas, as últimas que ele deixou ficaram por dias num vaso na sala, essas são muito bonitas também, botões grandes e abertos, olho-o nos olhos e noto um pequeno corte acima de sua sobrancelha, acho que é a primeira vez em toda a minha vida desde que virei fã dele que não sei o motivo de um possível machucado, imagino que seja devido a alguma filmagem ou algo assim.

Não quero saber.

— Obrigada.

Pego o buquê e coloco num canto no chão ao meu lado, Sea usa uma calça jeans gasta e uma camisa de cor branca de mangas, boné, tênis, me viro para frente e continuo a separar as raízes dos arbustos, sinto como se um choque de realidade houvesse me tomado depois da discussão na casa da minha sogra e agora estou além de bastante triste dividida entre fazer o que é certo e o que eu quero.

Dividida entre o confortável para mim e o que é melhor para todos nós.

— Você trocou o número de telefone?

— Sim, precisei.

— Não parece muito bem.

— É normal.

Sinto como se sobrevivesse a tudo isso, me lembro do quanto estava entusiasmada para conhecer esse homem há algumas semanas atrás, havia restaurado minha confiança e felicidade, mesmo com todos os problemas eu sentia que quando o conhecesse um momento importante da minha vida seria concluído, no entanto isso não aconteceu e depois disso desastrosas situações foram acontecendo e foram me lembrando que mesmo que o Brian esteja em espírito aqui, ele morreu, ouvir aqueles absurdos da boca da mãe dele mexeram comigo.

Antigas feridas que achei que haviam cicatrizado.

— Não quer me convidar para um café?

— Tá.

Sei que existe o natural e o sobrenatural e uma parte de mim é um lado e a outra é o que me resta, mas nada é tão devastador quanto depressão, de todas as sensações que experimentei em toda a minha vida — e não foram poucas — essa talvez seja a dosagem mais mortal delas literalmente.

Vivenciar tanta coisa desde pequena me ensinou a lidar com cada um dos meus problemas relacionados a isso com cautela, mas ao mesmo tempo trouxe para mim a carga emocional extra, ficou pior depois que o Brian morreu, algumas vezes eu até fico dividida porque lidar com o lado espiritual é fichinha em vista do que lidar com pessoas.

Atormentada * DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now