O armário está apertado.

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É difícil conviver com uma família de homofóbicos, mães, pais, avós, tios, todos são contra a comunidade LGBTQI+ seus dilemas geralmente são: "Gay? Lésbica? Bi? Pan? Deus fez Adão e Eva por um motivo! Se ele quisesse que homem ficasse com homem e mulher com mulher, teria criado os dois do mesmo sexo!" Ou então "Você não era assim. Tudo culpa desse celular!" E o pior de todos "Eu prefiro morrer do que ver você ir por esse caminho."

É gente, o armário já está apertado demais, me escondi aqui minha vida inteira e para sair vai ser um pouco complicado. Como minha mãe me diz sempre "Quando eu morrer você pode fazer isso. MAS ESPERE EU MORRER!"
Eu sempre amei a Tia Carla- mãe do João- por que ao contrário da minha, sempre apoiou todas as decisões do filho, e minha também. Sempre nos respeitou e cuidou de mim como seu filho também. E depois de eu e ele termos um esclarecimento dos nossos sentimentos, e nos assumirmos na frente de toda escola, recebemos muito apoio de uns, e muita homofobia de outros. Mas Tia Carla foi o motivo principal de eu decidir me assumir para minha família finalmente. Eu sei que irei me arrepender, mas caso qualquer coisa aconteça eu vou passar a morar com ela e o João, já havíamos combinado.

Eu fui procurar ajuda da Nay, porque ela e a Valentina sofreram muito também, eu lembro de quantos xingamentos e juras de morte receberam da galerinha escrota da minha cidade. Esse é um dos contras de morar numa cidade minúscula onde todo mundo se conhece e sabe da até da vida de seus tataravós.

-Como vocês... sabe, enfrentaram essa gentinha com complexo de Deus?- Pedro pergunta com um nó na garganta depois de ter chorado horrores por ter quase apanhado de um bando de valentões do terceiro ano.

-Não liga para esse povo amor. Eu já disse que eu vou te proteger, se eles encostarem um dedo em você eu mato!-João responde fazendo um cafuné na cabeça de Pedro e aconchegando ele em seu ombro.

-Pode deixar que eu mesma faço, eu sei como esconder os corpos e fazer parecer que foi suicídio coletivo, ou então me dêem uma noite que eu taco fogo na casa de todo mundo e finjo que foi um incêndio que se espalhou do mato que tem ao redor da cidade. Vai ser um acidente trágico de fato. HÁ HÁ HÁ.- Disse Nay fazendo uma risada maléfica e tossindo no final.

-Não dêem asa a cobra rapazes, pode apostar que ela não está brincando. Uma vez eu peguei ela com uma bomba de festa junina para jogar na casa de uns muleques de nove anos porque tinham falado mal do cabelo dela.- Falou Valentina dando um peteleco na testa de seu amor e ao ouvir um murmúrio de dor selou um beijinho no lugar.

-Vocês realmente se merecem.- João falou dando uma risadinha ao ver o quanto aquelas duas se encaixavam, não era atoa que se gostavam tanto.

-Mas falando sério, como conseguiram enfrentar tudo isso?- Pedro perguntou novamente.

- Fomos muito pacientes. As vezes até me pergunto de onde veio tanta calma com as piadinhas que recebíamos vira e meche na rua. Apesar de nunca sermos verdadeiramente aceitas, nem pela nossa família, passamos a ignorar, não precisamos da aceitação de ninguém para sermos felizes juntas.- Valentina responde com um sorriso tristonho nós lábios ao lembrar das palavras duras que teve que aturar.

-Sim, nós não fomos aceitas, mas a sociedade teve que nos engolir de um jeito ou de outro. Eles que lutem, me poupe, só não sai agredindo geral porque Valentina não deixou.- As duas caem na gargalhada.

-Não sei se ajudaram muito, nem incentivaram em nada, mas obrigado mesmo assim.- João fala caindo na risada junto.

(...)

Ao saírem da escola planejaram passar na casa de Pedro para conversarem com seus pais, e foi o que fizeram.

-Boa tarde Tia Márcia. Como vai a senhora?- João começa tirando os sapatos para entrar na casa.

-Vou bem meus amores. O que te traz aqui João? Faz tempo que eu não te vejo. Como você cresceu, tá bonito também. Aposto que deve ter um monte de meninas atrás de você.

-Mãe...-Tossiu sem graça- Estamos aqui para conversarmos sério com a senhora. Por isso João veio hoje.- Pedro dá início a conversa. É agora ou nunca.

-Conversa séria? Vocês fizeram o que dessa vez? Roubaram o boletim de novo?

-Não tia, prometemos que nunca mais faríamos isso outra vez.- João nega rapidamente.

-Então o que?- A sua expressão muda rapidamente de sorridente para uma carranca assustadora ao perceber que não estavam brincando.

-Nós... Mãe, nós...- Pedro tenta falar mais não consegue, ele estava aterrorizado com a expressão da sua mãe, recuando dois passo para trás e esbarrando com João que o segurou para não cair e percebeu seu nervosismo.

-FALA LOGO MENINO TU QUER ME MATAR DO CORAÇÃO????- Ela berra, assustando os dois que ficaram um tempo encarando um ao outro em uma briga interna perguntando se aquilo era realmente uma boa idéia.

-Calma tia, só queremos conversar. Pedro está meio nervoso, só isso...- João tenta acalmar a situação.

-Calma?????? Com essas palavras você está me fazendo ficar mais preocupada!!!!!- Ela fala dessa vez em um tom mais baixo mas nunca deixando sua carranca e sua voz brava.

-Mãe...- Pedro finalmente toma atitude e coragem para se pronunciar.- Nós estamos juntos.

-Sim tia, estamos namorando.- João fala abraçando Pedro por trás em um sinal de conforta-lo para a próxima fase.

Márcia arregala os olhos e cai para trás forjando um desmaio dramaticamente, mas se equilibrando antes de cair. Fica uns bons minutos em silêncio, talvez tentando absorver tudo aquilo. Tentando analisar se não ouviu errado ou se foi apenas mais um delírio de sua mente velha e cansada, até finalmente falar algo com uma voz trêmula e baixa:

-Que decepção com vocês.

-Eu confiei nessa amizade, eu te acolhi aqui em casa como meu próprio filho. E VOCÊ PEDRO!!! EU TE CARREGUEI NOVE MESES NA BARRIGA. TE CRIEI COM TODO CUIDADO PARA VOCÊ NÃO CAIR NESSAS CONVERSAS DO DIABO!! COMO PÔDE FAZER ISSO COMIGO??? NÃO TE RECONHEÇO MAIS COMO MEU FILHO!! VÁ EM BORA DESSA CASA E NUNCA MAIS APAREÇA NA MINHA FRENTE. NÃO. QUERO. VER. SUA. CARA. DE. NOVO.- Gritou e depois virou as costas deixando ambos na sala.

(...)

Pedro estava sem chão, ele esperava tudo menos aquilo de sua mãe. Sabia que ela não o aceitaria tão facilmente, mas nunca imaginou que ela o expulsaria de casa e negasse o próprio filho assim. Por apenas ser ele mesmo, por apenas AMAR.
Já na casa de João sendo confortado pelo seu atual amor e motivo de ser expulso, e a mãe do mesmo que fazia carinhos em suas costas e dava apoio emocional enquanto servia um copo de água com sal e açúcar para acalmá-lo. Ver Pedro chorando de uma forma tão triste em meio a soluços enquanto abraçava seu corpo fortemente tentando transferir a dor que sentia em seu coração em meio ao aperto, era de partir seu coração em pedaços.
Aquela tarde foi uma das piores de suas vidas.

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