Dois: Marcas de um crime

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O sol começa a dar o ar da graça quando chegamos na casa da vítima. A cena do crime é a mesma que as outras: chão com tanto sangue que somos capazes de escorregar naquilo, um corpo nu estirado na sala, sua pele totalmente mutilada com esses estranhos símbolos cauterizados. Mas, novamente, sem sinais de invasão no apartamento, bem como nenhum sinal de que o homem foi amarrado ou imobilizado de alguma forma.

Pelos registros, Tim Hardy tinha trinta e quatro anos, mais novo do que as outras duas vítimas. Sua estrutura corporal era um tanto atlética, sendo impossível que ele não tivesse lutado contra o seu agressor. Os outros dois homens também possuíam estruturas atléticas, o que torna pouco provável que uma mulher seja a autora dos crimes. Bem, existem alguns tipos de mulheres que seriam capazes disso, então, não havíamos descartado totalmente a hipótese.

Eu olhei atentamente para o corpo estirado, sentindo a energia residual que emana dele. Mesmo após a morte, todos deixam um resíduo da sua própria energia no corpo e no local da morte. Não sei ao certo se essa energia que emana dos corpos é responsável por encobrir a energia do assassino, mas o fato é que nunca sentíamos nenhuma energia que a presença do assassino poderia ter deixado nas cenas dos crimes. Como o meu parceiro falou, quase um maldito fantasma, embora fantasmas também possuam uma aura sobrenatural.

- A legista disse que ele, muito provavelmente, morreu entre um ou dois dias atrás por choque hipovolêmico*. Por sorte os dias andam muito frios, então o estado de decomposição do corpo não é muito avançado. O sumiço dele no trabalho alertou o chefe, que recorreu à polícia. - Daniel passou as mãos pela barba rala, visivelmente frustrado pelo nosso lento avanço no caso. Estamos todos uma pilha de nervos com esse caso, na verdade.

* choque causado por excesso de perda de sangue.

Voltei a observar o corpo enquanto o restante da equipe termina de coletar provas - embora é provável que não haja nenhuma - e se preparam para remover qualquer indício do que aconteceu aqui. Uma das vantagens do DIS é que não há papelada para preencher ou qualquer uma dessas burocracias. Tecnicamente, a divisão não existe, então, a papelada comum também não. Os arquivos são todos digitais e com uma forte criptografia que deixaria qualquer hacker subindo pelas paredes.

Tim Hardy tem um rosto bonito... Ou deveria ter, já que agora o seu rosto está contorcido em uma máscara de agonia. Seus olhos castanhos claros agora fixam o teto do apartamento, provavelmente se perguntando o por que disso ter acontecido. Desse dia em diante, sua bela face ficará encerrada eternamente em um caixão de madeira e os seus olhos nunca mais brilharão.

Eu já vi inúmeras cenas de crimes. Homicídios, em sua maioria, mas eu nunca consegui ser indiferente a cada corpo que aparece diante de mim, cada vida que foi perdida, cada risada que jamais ecoará novamente. Eu nunca consegui "endurecer" os meus sentidos e sentimentos ao ponto da indiferença como os meus colegas de profissão.

Eu me abaixo e olho atentamente o abdômen aberto da vítima, a visão do vazio que a ausência do órgão provoca quase é o suficiente para me fazer vomitar, mas eu engulo a bile novamente, ciente de que esse homem precisa da minha ajuda, não da minha repulsa instintiva. Ele precisa que eu encontre o assassino. As bordas da incisão estão levemente chamuscadas, indicando que, de alguma forma, a pele e a carne foram cortadas e queimadas ao mesmo tempo.

Desvio a minha atenção desse vazio grotesco e olho atentamente o peito do homem, nele está esculpida uma única marca de cerca de vinte centímetros. Se o assassino colocou essa marca, em especial, em um local tão vistoso, ele provavelmente quer chamar a atenção para ela.

- Kate, tire algumas fotos bem nítidas desse símbolo no peito da vítima e mande-as para mim. - eu instruí a minha colega, enquanto Daniel se afasta para atender ao seu telefone. - Eu já vi essa marca nas outras vítimas, tenho certeza. Compare-as e envie para mim, por favor.

- Boa notícia, Lis. - Daniel retorna com um pequeno sorriso nos lábios. - Parece que Sophie conseguiu alguma coisa.

 - Parece que Sophie conseguiu alguma coisa

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Sophie é uma das T.I mais talentosas que a divisão tem. Ela consegue invadir sistemas e coletar informações com uma eficiência que poucos têm. Não é à toa que, antes de entrar para o departamento de Investigações do Governo, ela era procurada em treze países diferentes. Bem, eu não usaria a palavra "entrar", está mais para "ou isso, ou você vai ver o sol nascer quadrado o resto da sua vida." Admito que as pessoas do alto escalão do Governo sabem ser muito persuasivas em suas propostas.

Como sempre, a mesa que Sophie usa para trabalhar está uma bagunça, cheia de embalagens de comidas e bebidas. O monitor do seu computador sempre ostenta uma quantidade incalculável de post it, com recados que vão desde "comprar comida para o gato" à "invadir o sistema de câmeras daquele banco na avenida". Na minha opinião, essa bagunça toda é uma forma do seu cérebro compensar a organização mental que a garota tem.

Sophie é dona de cachos curtos preto-azulados e uma franja sobre a testa, pele negra, lábios carnudos, com um piercing em forma de argola exatamente no meio do lábio inferior. A garota possui a mesma estatura que eu, embora mais franzina, e seus olhos castanhos claros brilham pelo reflexo da tela do computador.

- Hey, Sophie, o que você conseguiu para mim? - Daniel se recosta sobre a mesa da garota, que nos observa com um ar divertido.

- Ah, Dan, Lis...- Sophie meneou a cabeça em nossa direção.- Eu fiz o que você pediu, triangulei os endereços das vítimas e procurei pelos estabelecimentos de entretenimento mais próximos que encontrei. Embora eu não tenha encontrado nada de primeira. Consegui imagens das vítimas e tracei uma rota onde os três, de alguma forma, se cruzam e descobri algo.

- "Estabelecimento de entretenimento?"- perguntei ao meu parceiro.

- Ah, Lis, não me diga que você não considerou essa hipótese? - Daniel arqueou uma sobrancelha. - Todas as vítimas são homens solteiros, não é pouco provável que eles fossem buscar um pouco de... Diversão adulta, não é?

Admito que eu não pensei nessa hipótese.

- Você está falando isso com muita propriedade, Daniel. Quer nos confessar algo? - provoquei o meu parceiro.

Ele finge pensar por um minuto, colocando o queixo sobre a mão, antes de balançar a cabeça em negação.

- Sinto muito, Lis, mas eu jurei solenemente não trair os segredos da sociedade masculina, sabe como é... Certas coisas simplesmente não precisam ser divulgadas ao público alheio. - Daniel sorriu, divertido. - O que você encontrou, Sophie?

- Antes de dar a informação, sou obrigada a te avisar que você está me devendo um jantar, em retribuição a todo o trabalho que eu tive, Daniel. - Sophie sorriu para o meu parceiro, seus olhos brilhando e, dessa vez, não por conta da tela do computador.

Ah, isso é, sem dúvida, uma jogada para sair com ele. Daniel com certeza pegaria essa dica, ele não é idiota.

- Claro, posso pedir para entregarem para você, Sophie. - o homem sorriu, parecendo não notar o rosto de Sophie murchando como um maracujá de gaveta.

Sim, definitivamente, meu parceiro é idiota.

- Os três homens frequentavam o mesmo lugar... Não um local de entretenimento masculino. - Sophie emendou, ao receber o meu olhar de descrença.- Mas eu tenho certeza que você não vai gostar nem um pouco, Lis.

A garota mostra o monitor do computador com o nome do local que as três vítimas frequentavam. Ela está certa, eu não vou gostar nem um pouco disso.

Não se esqueçam de votar e até a próxima <3.

A Pecadora (Concluído)Where stories live. Discover now