Dezoito: O homem que não se surpreende

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Tema do Daniel para vocês :3

⚠️Aviso: esse capítulo contém violência.


Eu não sou um homem que se surpreende fácil.

Eu não me surpreendi quando, aos seis anos, eu já conseguia ver espíritos por aí, e a aura das outras pessoas também. Meus primeiros traços que denunciavam a minha característica de psíquico. Meus pais eram normais, não havia ninguém na família que era como eu.

Aos doze anos, eu disse para os meus pais que o nosso vizinho era um assassino, pois a aura dele denunciava isso, mas os meus pais não acreditaram, obviamente. Três meses depois, encontraram cinco corpos enterrados no quintal dele, foi a maior notícia da minha cidade. Aquilo só reforçou as minhas suspeitas de que havia algo de muito errado comigo.

Eu também não me surpreendi quando, com quatorze anos, os meus pais me internaram em um hospital psiquiátrico, depois das minhas inúmeras tentativas de denunciar as pessoas cujas auras mostravam que não eram de boa índole. Meus pais eram muito religiosos e, depois de várias sessões de confissões, punições e "exorcismos", eles decidiram que o problema não era o Diabo tentando tomar o meu corpo e a minha alma, o problema era apenas eu. Apenas o Diabo em mim.

Eu fui submetido a vários tipos de "tratamentos" no que, na verdade, era mais um centro de experimentações clandestino do que um hospital psiquiátrico. Choques, afogamentos, torturas e punições sem fim, todos os dias, por três anos. Eu cheguei ao ponto de não falar mais, já que eu quase não conversava ou socializava com outras pessoas, pois a minha rotina diária se resumia em ir para as salas de "tratamento" e depois voltar para o meu quarto. Aquele maldito quarto branco, sem decorações e cheirando sempre a desinfetante. Os meus pais nunca me visitaram durante todo o tempo que eu passei naquele lugar, nem sequer uma única vez.

Em um dado momento, depois desses três anos, os administradores do "hospital" apenas me deram os meus poucos pertences e me mandaram embora, sem explicações, sem recomendações, sem absolutamente nada. E, novamente, eu não me surpreendi com aquela atitude.

Não me surpreendi também quando, ao chegar em casa, o único lugar para o qual eu poderia voltar depois de passar anos naquele inferno, encontrar o local totalmente vazio, pois os meus pais haviam se mudado há poucos meses. Eis a explicação para terem me liberado do hospital: eles pararam de pagar pela minha "estadia". Eu não chorei, não me entristeci ou qualquer merda do tipo, afinal, de alguma forma, eu já sabia que algo do tipo ia acontecer, eu tinha noção de que os meus pais não iam saber lidar com o que eu era. Com o que eu sou.

Sem ter para onde ir, sem escolhas ou parentes a quem recorrer, eu fui morar nas ruas. Viver e dormir sobre o chão duro e frio ou sobre o calor do asfalto, às vezes sobre as pontes, enfrentando tempestades, fome e frio sem fim. Sempre com medo, sempre sozinho, sempre me perguntando se eu sobreviveria mais um dia.

Mesmo com as condições mais do que precárias, eu queria viver mais um dia, eu precisava viver mais um dia. Algo dentro de mim dizia que eu ainda tinha um propósito maior, um papel a desempenhar, então, eu sobrevivi todos os dias com a esperança de que algo melhor viria.

Até o dia em que me pegaram roubando. Foi a primeira vez que eu tentei algo do tipo, mas eu não tive outra opção, eu estava há dois dias sem comer nada. Era isso, ou morrer de inanição. O pão que eu roubei era muito, era uma refeição grandiosa. Aparentemente, era muito para o dono da padaria também, pois ele me pegou no ato e chamou a polícia, louco para que os tiras acabassem comigo, com o pirralho, com o ladrãozinho de rua.

A Pecadora (Concluído)Where stories live. Discover now