Epílogo: Mortos não enxergam

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Pouco mais de dois meses se passaram desde o incidente com Darion e Danna Nyati. As festas de final de ano passaram e eu, Daniel, Candice e alguns membros da equipe nos juntamos para comemorar o Natal e o Ano Novo na minha casa, como fazemos todos os anos. E, como sempre, a diversão foi garantida.

Candice ficou tão bêbada, que dormiu em cima da minha mesa — não me pergunte como — e Daniel disse que me amava umas vinte vezes, depois de tomar duas garrafas inteiras de vodka com a nossa chefe. Deus, estou repensando se vou chamá-los para o final deste ano também, pelo bem da integridade do meu sofá e da minha mesa.

Nikolay e eu saímos mais uma vez depois daquele primeiro jantar, em outro restaurante seu — céus, quantos estabelecimentos esse vampiro possui? —, mas não mantemos um contato frequente, de forma que eu não o vejo há mais de vinte dias. Talvez seja melhor assim, já que, verdade seja dita, os meus sentimentos estão uma bagunça e eu não faço ideia do que pensar a respeito do vampiro, principalmente depois do nosso beijo naquela noite. Do beijo que eu tomei a iniciativa.

Eu até poderia usar a desculpa de que estava bêbada naquela vez, mas Deus sabe que isso é uma mentira. Eu quis fazer aquilo, eu fiz aquilo estando em meu juízo perfeito. E, por mais que seja difícil de admitir, eu não me arrependi e não me arrependo daquele primeiro beijo. Muito menos daquele outro beijo que aconteceu da última vez que saímos. Céus, o que está acontecendo comigo? O que aquele vampiro está fazendo comigo? Onde o meu juízo foi parar? 

Amanhã é o meu último dia depois de umas merecidas férias, e eu passei o dia de hoje inteiro assistindo a séries e filmes. Na verdade, eu planejava iniciar a quinta temporada de Game of Thrones, mas os meus planos foram interrompidos quando eu recebi uma ligação do vampiro. Nikolay estava muito sério no telefone, quase parecendo outra pessoa, o que me deixou mais do que preocupada. Ele me pediu para ir com urgência à La Petite Morsure, pois há algo que eu preciso ver, "e rápido", como ele disse.

E aqui estou eu, parando o meu carro a algumas ruas de distância da boate e seguindo para os fundos, como o vampiro me orientou.

Eu paro subitamente a minha caminhada quando vejo um homem enorme bem no meio do beco, tão alto quanto Nikolay, sua pele é negra e ele tem um rastafari curto, preso para trás com uma tira, o restante do seu cabelo é totalmente raspado, deixando apenas o topo com essas tranças; ele veste calças de couro e coturnos, uma blusa preta justa mostra o seu físico bem trabalhado. O homem está de costas para mim, mas parece sentir a minha presença, pois se vira na minha direção, eu estou a apenas alguns metros de distância.

— Você não pode passar. Volte. — a voz grave do homem retumba, principalmente por conta do eco do beco. Ele possui um rosto austero e expressão séria, seus olhos são castanhos claríssimos, quase verdes, contrastando com a barba negra sob o seu maxilar.

— Deixe ela passar, Axel. Eu a chamei. — a voz de Nikolay soa mais ao fundo.

O homem me olha fixamente por mais alguns segundos, depois se vira, me dando espaço para passar. Nikolay está encostado na parede com os braços sobre o peito e um pé escorado no muro, sua aparência é a mesma: os cabelos quase loiros sempre bem penteados para trás, o cavanhaque bem alinhado e os brilhantes olhos verdes; ele veste um terno cinza risca de giz, e os costumeiros sapatos sociais. Eu o cumprimento com o olhar e o vampiro maneia a cabeça na minha direção, olhando para o chão logo em seguida.

Eu desvio a minha atenção para onde o vampiro está olhando e tenho o vislumbre de uma cena mais do que bizarra: há um homem estirado sobre o chão, largado em uma posição estranha, os membros retorcidos e os lábios repuxados, abertos. Deus, isso são presas? Esse homem morto é um maldito vampiro?

A Pecadora (Concluído)Where stories live. Discover now