Prólogo

161 127 15
                                    

À meia-noite exata, os olhos dela finalmente romperam a escuridão. O olhar que emanava de suas íris era um misto intrigante de felinidade e obscuridade profunda, como se fossem janelas para o próprio abismo.

Sim, todos que encaravam aqueles olhos sentiam um calafrio percorrer suas espinhas. Num movimento sinuoso, ela se ergueu, cada centímetro de seu corpo lembrando uma cascata negra de pelos que se assemelhava a uma sombra viva, um predador silencioso pronto para sua próxima presa. As vítimas sequer tinham tempo de perceber o perigo iminente.

Desde que despertara nesta cidade, ou melhor, desde que se libertara do enigmático sonho imposto por entidades impuras pela primeira vez em eras, ela se via forçada a manter-se distante daqueles que a perseguiam implacavelmente há dias.

O jovem de cabelos brancos exalava um aroma mágico peculiar, uma aura flexível que denunciava sua disposição de ferir qualquer um para alcançar seus desejos. Era um motivo suficiente para que o monstro desejasse enfrentá-lo até o fim, esse rapaz que, segundo as palavras do de cabelos castanhos chamado Caleb, tinha a temerária habilidade de moldar realidades com sua magia.

No entanto, havia algo que o fazia hesitar. Era o segundo jovem, de cabelos castanhos, cuja aura carregava um odor de perigo, uma antítese à magia da criatura, capaz de extinguir a própria essência mágica. Era algo que o enchia de temor. Nunca, em todos os anos de sua existência neste mundo, tinha encontrado uma magia tão avassaladora. Seus irmãos, criaturas como ele, jamais entenderiam o pavor que aquele garoto incutia em seu âmago.

Sentiu o aroma de suas próximas presas pairando no ar e, com patas ágeis, correu na direção deles. Encontrou um homem e uma mulher, envolvidos em uma conversa inofensiva. Com um salto audacioso, lançou-se contra o pescoço do homem, mergulhando suas presas repetidas vezes. Os gritos de terror ecoaram no ar, música para os ouvidos da criatura, que há dias se alimentava da essência mágica dos humanos e se deleitava com o pânico que provocava.

Era disso que sentia falta: o êxtase de matar, a fonte da vitalidade humana que o fazia recuperar-se completamente, em oposição ao simples roubo de poder.

O sangue jorrou em um jato fino, tingindo o chão de um escarlate profundo. A mulher lutou para escapar, mas, no fim, teve o mesmo destino que o homem. Lutava com bravura, mas a criatura era implacável e forte, até mesmo para uma mestiça. O sangue fluía incessantemente, transformando a cena em algo ainda mais macabro.

A luz da vida e a determinação da mulher se desvaneciam como cinzas ao vento. A boca da criatura estava manchada de vermelho enquanto ela se regozijava com o espetáculo macabro.

Depois de saciar sua fome, a criatura se curvou, apoiando-se nas quatro patas, absorvendo a magia contida no sangue das vítimas. Era a única dádiva que os mestiços feéricos tinham a oferecer: a energia da morte, um tributo derradeiro ao serem abandonados, deixados à mercê das terras de Nevernever.

Os mestiços e os humanos eram os mais vulneráveis, desprovidos de proteção mágica nesse lugar sombrio, tornando-se presas fáceis, indefesas diante da crueldade das criaturas.

A criatura se levantou, encarando o céu com seu rosto ensanguentado, suas forças se recuperando lentamente, dissipando o medo que a lembrança do rapaz lhe causava.

Sentindo-se revitalizada, mais forte do que nunca e selvagem como nunca antes, a criatura agradeceu pela quebra da prisão Unseelie que a aprisionara e permitira que ela e seus irmãos se banquetear com liberdade.

Em breve, estaria suficientemente fortalecida para enfrentar seus inimigos, para mostrar a todos que não deveriam temer nada, exceto a perda de seu poder, transformando os fracos em sua própria fonte de alimento.

Ao se virar para sair dali, um rugido de animação escapou de seus lábios, ecoando pela primeira vez em séculos desde sua prisão.

___________________________________

Vejam quem finalmente voltou, o livro dois começou oficialmente.

Anjo das sombras | Livro 2: Mistérios de CambridgeOnde histórias criam vida. Descubra agora