Capítulo 4

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Os dias passaram tranquilos dentro da Ópera de Paris. Ayla se encontrava todas as noites com o fantasma para treinar sua voz. E ela nunca podia vê-lo. Se quer um deslumbre. Ele sempre encontrava com ela em um camarim vazio, ou no telhado. E ela só escutava sua voz e o violino. E ele era um professor exigente e por vezes, irritante. Ela não aguentava mais as críticas ácidas vindas dele.

- Não estou vendo seu esforço aqui, senhorita - ele disse, certo dia, no telhado - Com certeza sua voz alcança uma nota mais alta do que está acostumada. Precisa usar seu diafragma, ou vai arranhar sua garganta.

Ayla suspirou. Ela sabia disso. Sabia as técnicas. Mas, nunca cantou tanto na vida. E não conseguia segurar a respiração ao soltar a voz.

- O senhor fala isso como se fosse fácil, não é? Por que não me mostra como se faz? - ela alfinetou, com raiva.

Ela só podia ouvir a gargalhada do fantasma. E pela direção do som, ele devia estar atrás da estátua do anjo. Ela queria ir até lá e ver quem era aquele homem misterioso. Apesar de ele ser pedante, cínico e sarcástico, tinha uma voz melodiosa, encantadora. Além de ser cortes na maioria das vezes que se encontravam. E nos mesmos encontros, ele gostava de zombar dela. Ela não conseguia compreendê-lo, decifrá-lo. Mas, se via encantada por ele. Envolvida por seu mistério. E começava a duvidar dos rumores. De que ele poderia ser o assassino de Paris. Ele parecia tão cavalheiro. Como poderia matar uma dama? Ele não fez nada a ela. E eles já estavam nessa interação há quase um mês. Estava confiando nele. E começava a pensar no fantasma como seu professor e maestro.

- Muito bem - ele disse, com soberba - Eu mostrarei a você como conseguir segurar a voz em uma nota alta. É claro, sou um tenor, diferente de você, que é soprano. Mas, é possível manter a voz em notas mais altas, dessa maneira - ele ecoou sua voz, apenas imitando o som do violino, que tocava junto, ao mesmo tempo.

Sua voz aumentava de tom, conforme o violino. E ele não parecia cansado. Sua voz era perfeita e melodiosa. Um desempenho eficiente, ao contrário do desempenho de Ayla. Ela se sentiu rubra de vergonha. Não conseguiria manter sua voz, não para uma ópera.

- Pode escutar? Não projeto sua voz na garganta, mas no diafragma. Vamos fazer alguns exercícios, senhorita Brown. E tenho certeza de que poderá atingir um agudo muito melhor e não prejudicara sua voz.

Ele parecia compreensivo, ela notou. Apesar de sempre estar a alfinetando, o que ela não fazia de diferente, ele era um bom professor. E passaram duas horas pelo menos, fazendo exercícios para melhorar o desempenho de Ayla. Ela começou a cantar as notas musicais junto com o violino e manter o tom agudo por mais tempo.

- Bravo, senhorita, bravo. É disso que estou falando. Está mantendo os tons mais agudos, por mais tempo. E sua voz é doce, parece um anjo - Ele estava entusiasmado. E não havia notado que saíra de trás da estátua.

Ayla prendeu a respiração. Teve um deslumbre dele, pela primeira vez. Ele era um homem alto, quase um metro e noventa de altura. Parecia forte, mas ela não poderia dizer, devido ao seu longo casaco negro, que batia nos joelhos. E estava usando uma cartola. Estava de costas para ela.

- Posso vê-lo, maestro - ela disse, com zombaria - E o senhor parece ser muito charmoso.

Ele estacou no lugar e se virou para ela. Ayla vislumbrou o fantasma e pode vir que uma máscara branca cobria parte do rosto dele. Ela só podia ver seus lábios e os olhos. Não conseguia definir a cor, devido a escuridão que fazia. Apesar de a rua estar iluminada pelos postes. Ele sorriu para ela, de uma forma estranha. Ayla sentiu algo dentro de si, um sentimento que não saberia definir. Prendeu o folego ao encarar o olhar penetrante dele.

- Fui um tolo descuidado - ele disse, com zombaria, fazendo uma reverência - Muito prazer senhorita. Vê como não fantasma, mas um homem de carne e osso? Não pode contar a ninguém que pode me ver.

Ela deixou uma risada escapar. Ele a fitou, atentamente.

- Não irei contar. Mas, o senhor não tem vergonha de exigir um camarote, mandar em todos aqui do teatro e enviar cartas? Acredito que com sua inteligência, poderia ser maestro de verdade.

- Ó, não poderia. Ninguém iria confiar em um homem como eu. Todos parecem fugir de mim. E com razão - sua voz era soturna.

Ela sentiu seu coração disparar, pois ele se aproximava dela, com o violino em sua mão. Ficaram próximos um do outro e ela pode ver seus olhos verdes.

- E deveria temer estar na minha presença, senhorita. Posso ser um cavalheiro, mas não sabe do meu passado. Nem o que escondo.

Ela o fitou com incredulidade.

- O senhor está zombando de mim? Estamos há um mês conversando e o senhor me ensinando. Se quisesse fazer algo, já teria feito.

Um sorriso involuntário escapou dele. Ela se viu sorrindo também.

- É muito esperta, para seu próprio bem - ele disse, com bom humor - Bom. Por hoje podemos encerrar, senhorita. Espero vê-la aqui amanhã.

- Amanhã? Mas, amanhã é sábado. E tenho alguns compromissos - ela disse, contrariada.

Ele a fitou com os olhos apertados.

- Terá que treinar todos os dias para tomar o lugar de Carlotta. Quer que sua carreira com cantora de ópera se concretize, ou quer ter alguns momentos de lazer? - Seu tom era sarcástico.

Ayla bufou, cruzando os braços.

- O senhor é muito irritante. Muito bem. Estarei aqui as sete horas. E depois de duas horas de ensaio, irei sair - ela disse, com superioridade - E nem pense em dizer qualquer coisa sobre o que faço.

Ele mordeu os lábios. Ela ficou observando esse movimento de contenção dele. Parecia irritado, mas isso parece deixá-lo mais bonito, ela pensou.

- Muito bem. Faça como desejar - ele disse, por fim, a fitando com irritação - Saia por Paris e seja morta pelo assassino de Paris. Eu não me importo. Há muitas cantoras de ópera que querem seu lugar.

Ela o fitou, horrorizada.

- Como ousa falar algo assim? Tão cruel? Você não tem educação? - ela perguntou, rapidamente, sentindo sua respiração acelerar - Eu sou somente um meio para o fim que tanto almeja? E aliás, por que o assassino de Paris iria me querer? Eu não sou loira. Vê - ela apontou para seus cabelos negros, arranjados em um coque simples - Eu sou morena. E eu sei me virar.

Ele riu, sem humor.

- Acredita que ele está escolhendo suas vítimas pela cor dos cabelos? Para mim, ele não passa de um verme. Um louco, que poderia matar qualquer pessoa. E a senhorita é muito bonita. Já imaginou o que ele poderia fazer a ti? E, há outros homens por Paris, que podem lhe fazer mal - A cada palavra, ele aumentava o tom de voz. E parecia instável.

Ela mordeu os próprios lábios, de raiva.

- Ah, senhor, me poupe do seu discurso - ela disse, dando as costas para ele.

E não teve reação, quando ele a segurou pela cintura. Ela sentiu a boca dele, colada ao seu ouvido e seu braço envolve com certa força seu abdome.

- Se eu posso imobilizá-la, senhorita, qualquer um pode fazê-lo. Fique aqui no teatro. Para seu próprio bem - Era visível que ele perdia a paciência, mas ao mesmo tempo tinha um tom apelativo.

Aquele contato com ele era por demais íntimo. E ela sentiu seu corpo responder ao dele.

- Eu não farei o que deseja. Não me impeça - ela disse, se soltando.

Ela não olhou para trás, apenas saiu do telhado, de forma intempestiva. Sentindo seu coração acelerado. Chegou em seu dormitório, tentando não fazer barulho. E enquanto adormecia, parecia ver os olhos dele na escuridão, a observando.

Um assassino em Paris - O Fantasma da ÓperaWhere stories live. Discover now