Capítulo 13

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Erik avançou para a casa, deixando Ayla esperando do lado de fora. Se sentiu um estúpido por isso. Deveria ter a convidado para entrar, com um cavalheiro. Mas, temia deixar que ela entrasse naquele lugar. Era onde guardava todo seu tesouro. Tudo que tinha de si estava ali, espalhado naquelas paredes e em um cômodo em especial. Tudo que tinha de Christine estava lá. Ela fora e sempre seria o amor da sua vida. Tudo que sempre tentou alcançar, mas como o monstro que era, não conseguiria tocá-la. Ela era seu anjo imaculado. E somente a mera presença dela, o seu dia se iluminava por inteiro. Mas, Erik temia corromper a pureza de Christine com sua deformação. E sentia que suas mãos estavam sujas para tocá-la. Com certeza iria maculá-la, era o que pensava. Ali, era seu inferno. O seu inferno particular. Aquela casa somente entrava Persa e algumas vezes Christine entrou. Mas, quando ela se foi, não desejava que ninguém circulasse naquele lugar. Mas, não havia opções. Ele não queria que Ayla escutasse sua conversa com Persa.

- Nada mudou por aqui – Persa comentou, olhando para as paredes.

Havia alguns quadros de Christine e outros de paisagens bucólicas. Os móveis antigas continuavam no mesmo lugar, sem alteração. Havia estantes de livros, um divã azul e um sofá de cor creme na sala. Um tapete turco cobria todo o chão. Um lustre dourado pendia do teto, com velas acesas. Aquela casa, a casa do lago, fora decorada para receber Christine. Apenas para que ela pudesse ter comodidade, quando estivesse nos subterrâneos da ópera. Mas, tudo havia se perdido. O sonho havia terminado. Erik precisava acordar, era o que sentia. Sua música estava o abandonando, quando teve um sonho misterioso com sua amada. Ela pedia para que fosse a Londres. Pedia que encontrasse uma jovem bailarina. E Erik atendeu ao pedido de sua amada. Faria tudo por ela. E encontrou Ayla, uma jovem impetuosa, tão diferente da sua musa. Ela o irritava, o deixava cansado com suas perguntas. E era malcriada por vezes. Mas, isso estava divertindo Erik. Realmente, nunca estivera de bom humor, em tantos anos. Não se lembrava de sorrir. Nunca tivera motivos para isso. Mas, aquela mulher valente fazia o fantasma ter essa vontade.

- Nada vai mudar, Persa – Erik respondeu, fitando o quadro de Christine.

Contemplava a beleza da sua musa, com longos cabelos louros, com um vestido verde de musselina. Ela estava em uma clareira, rodeada por árvores. Era o lugar favorito de Erik. Faziam piqueniques próximo a Ópera de Paris. E fora ali que fizera o primeiro esboço daquele quadro. A imagem angelical dela fora imortalizada naquela tela de 2 metros de altura, por 1 e largura. Era algo extravagante, desnecessário. Mas, era a forma que tinha para mantê-la viva em sua mente e não esquecer do seu rosto.

- Erik, Erik – disse seu amigo estrangeiro, colocando a mão no ombro dele – Aquela jovem, a senhorita Brown, o que fará com ela? Presumo que tenha planos.

Erik se virou, estudando a fisionomia de Persa. Os traços morenos, olhos escuros, sérios e sábios. O músico não conseguia compreender como seu amigo poderia ser por vezes tão calmo e não ser levado pela raiva ou inconstância. Erik repetidamente se entregava a esses acessos de raiva, principalmente por lembrar do passado. Tudo aquilo ainda fervia dentro de si, queimando lentamente em seu ser.

- Eu tenho planos – o fantasma respondeu, virando-se novamente para imagem angelical de Christine – Ayla será uma grande estrela. Isso eu prometo. Ela terá tudo que não pode ter e só assim, esse teatro terá uma grande soprano. Christine era para estar aqui, entre nós, em seu reinado. Mas, infelizmente, o destino não quis. E como em um sonho, ela me veio e disse que Ayla seria sua sucessora. Será perfeito, você verá.

Persa suspirou diante da resposta do amigo.

- Erik, está tempo demais nesse lugar. Por que continua com essa ideia? Vai tentar tirar Carlotta do caminho novamente, com seus planos ardilosos? Sabe muito bem que ela está muito próxima do conde de Chagny. E ele aprova a forma como está caminho a ópera. Erik, por Deus, Erik. Precisamos partir de Paris. Entende? – Erik se afastou e andou de um lado ao outro da sala, pensativo. Escutava Persa, mas ao mesmo tempo, estava dividido. Ele era o espírito daquele lugar. O que seria da ópera, se ele não estivesse ali como o maestro? – Erik, desperta para a realidade. Lá fora há um mundo. É mais seguro que voltemos para Londres. As investigações continuam aqui em Paris. E está correndo um boate de que você é o responsável pelas mortes dessas atrizes, cantoras e bailarinas. Tudo isso promovido por nada menos que o visconde de Chagny.

Erik massageou as têmporas. Sabia que não deveria ter assustado o visconde. E algum momento, isso lhe traria problemas. Mas, queria se vingar daquele cavalheiro. Quem sabe até mesmo matá-lo. Mas, primeiro, optou pelas cartas, contendo ameaças. Depois, tentou defender Ayla, naquele palco. E isso foi seu maior erro, mas não se arrependia. Não deixaria que um homem sem escrúpulos como Raoul tocar na pobre bailarina.

- Persa, eu já imaginava que isso fosse acontecer – Erik confessou, fitando seu amigo, com expressão dolorida – Eu sempre serei o monstro que todos temem. Por que não iriam me associar a isso? A essas mortes? Mas, não posso fugir daqui. Tenho um dever. Ayla precisa de mim.

- Ayla? – perguntou Persa, incrédulo – Está chamando-a pelo primeiro nome, Erik? Tudo está se repetindo mais uma vez, meu amigo. Posso ver que está se apaixonando por essa jovem.

Erik o fitou com zombaria. Não estava se apaixonando, quem sabe, atraído. A beleza dela era indescritível. E selvagem. Os olhos turquesa dela eram algo fascinante e ele mesmo se sentia inclinado a beijá-la. Mas, fora um erro. Não devia fazer isso com a pobre jovem. Ela merecia seu respeito. Além do fato de ter o rosto desfigurado. Que piorara ainda mais devido ao incêndio de cinco anos atrás, tentando salvar Christine. Não, ele não iria expor ela, assim como expos Christine a sua feiura. Se acostumara com o fato de que nunca poderia ser amado.

- Ela é minha aluna, Persa. Devo respeito a ela. Não imagine algo assim. De fato, ela mesma se sentiria horrorizada ao ver meu rosto de verdade – ele divagou, olhando para a janela e vendo a jovem impaciente, tirando os sapatos e se sentando no chão. Isso arrancou um sorriso dele – Mas, enfim. Somente veio para isso? Para me alertar?

- Exatamente, Erik. Não há nada que eu possa fazer? Nada que eu diga? Vai continuar a se expor ao perigo de talvez ser descoberto e preso?

Erik pensou nessa possibilidade e sentiu medo. Temia estar em cárcere mais uma vez. Assim com estivera há tantos anos. Chegou naquele teatro, fugindo disso. E fora acolhido por Persa, o rapaz que cuidava dos estábulos. E ali, nasceu a amizade deles, que perdurava há anos. Seu amigo nunca teve medo do seu rosto e nem lhe julgou. Mas, se os outros o vissem, iriam julgá-lo e acusá-lo de realmente ter matado aquelas mulheres.

- É uma decisão que somente cabe a mim. Mas, irei ser o mais breve possível e poderemos ir embora, Persa. Realmente, meu estilo de vida por aqui não será mais possível – Erik se colocou e ficou pensativo, com a mão no queixo – Preciso continuar meus projetos de arquitetura. Algum cliente, Persa? Se faremos essa empreitada, preciso ter certeza de que ainda teremos clientes.

Persa assentiu.

- Sim, Erik. Eu sei fazer negócios. Você só precisa colocar sua mente para trabalhar. Quando poderemos empreender nossa viagem? Para onde pretende ir?

- Para Londres. O lugar onde mais me senti livre para usar a máscara. Lá ninguém pensa no fantasma da ópera. Apenas me acham excêntrico. O que é perfeito. Só preciso de alguns meses e tudo será resolvido – O músico tinha um semblante tranquilo, até mesmo sonhador. Parecia vislumbrar seu futuro, de maneira diferente. Fazia tempo que não sentia emoções boas, pois tudo que sentiu durante aqueles anos era desespero e melancolia.

- E a senhorita Brown, o que será feito dela?

Erik fitou a bailarina da janela. Ela estava desta vez, inclinada, olhando o lago.

- O que eu prometi. Transforma-la em uma estrela.

Um assassino em Paris - O Fantasma da ÓperaOnde histórias criam vida. Descubra agora