Capítulo 33

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Ayla se sentia estranha. Não conseguia dormir. Pensava em seus amigos. Aquele primeiro dia em Londres fora um balsamo para alma ferida dela. Ter outra pessoa para conversar, alguém que a entendesse fora de fato gratificante. E acabou se abrindo com Christine sobre o que passou com Philip. Mesmo que não contasse tudo em detalhes. Ninguém veria as marcas em seu corpo. Ah, não mesmo. E já iriam curar, ela tinha certeza disso. Philip tentava não deixar marcas profundas, para não levantar suspeitas. Ele gostava de vê-la implorar para que parasse, quando estava muito bêbado, é claro. Quando estava sóbrio, ele apenas lhe dava uma bofetada, para aprender a respeitá-lo. Ela mordeu os lábios, lembrando daquelas cenas. Sentiu as lágrimas escorrerem por seu rosto. Ele dizia que era culpa dela que era tratada daquela maneira. Não cumpria com o dever de esposa. E ele dizia o quanto era misericordioso, cuidando dos machucados dela, pessoalmente. Ela tentava se esquivar, mas seria pior. E o médico, maldito médico. Ele já enfaixara as costelas dela e não demonstrava nada, nem quando ela o olhava em súplica.

Tremula, ela se levantou. Suspirou, aliviada, por estar sozinha. Por nunca mais ter que passar por aquilo. Seus pés tocaram o tapete felpudo, sentindo a maciez. Procurou seu robe dentro do armário e vestiu. Saiu com os pés descalços do quarto. Só precisava encontrar a sala de música. Queria sentar-se em frente ao piano e tocar sua melodia favorita. Era assim que conseguia se acalmar. Era assim que conseguia aliviar sua dor.

Desceu as escadas e encontrou o cômodo vazio. Era um horário improprio, mas ela imaginava que ninguém estaria ali para impedi-la. Não havia visitas na casa, os criados estariam dormindo àquela hora, Christine também havia se recolhido cedo e até o horário que Ayla subiu para seu quarto, não a viu voltar. Então, estaria sozinha para poder tocar o piano. E fora um deleite poder deslizar os dedos pelas teclas brancas daquele piano de calda, de cor mogno. A sala de música era enorme. O som ecoava com perfeição. Havia deixado a porta fechada, para não incomodar ninguém. Fechou os olhos, dedilhando a música que vinha da sua alma. A mesma que nunca saia do seu coração e parecia fazê-la se aproximar mais da sua mãe. Tinha certeza de que a melodia era dela.

Quando abriu os olhos, se espantou ao ver Erik parado, em frente ao piano, com um olhar embevecido. Ela sentiu a garganta seca e as mãos tremulas. Não sabia como se portar diante dele. Lembrou-se do que Christine havia dito aquela tarde, sobre Erik não conseguir se relacionar com as pessoas, sempre vivendo em reclusão. Mas, que com certeza ele devotava carinho por Ayla. Somente não sabia expressar corretamente.

- Linda melodia – ele disse, com um olhar intenso. Parecia emocionado – Eu nunca ouvi algo tão bonito. Talvez, na noite em que entrei em sua casa. Você tem muito talento.

- Eu não compus essa canção. Eu acho que era da minha mãe – ela disse, tentando se lembrar do rosto dela, mas nada vinha a sua mente. Somente vinha uma tarde que se sentara diante do fogo, enquanto ouvia aquela música tocar. Depois, sentava-se ao lado de uma mulher e ela dizia que queria que Ayla aprendesse a tocar o piano - Eu acredito, pelo menos.

Erik assentiu levemente com a cabeça. E contornou o piano, para se sentar ao lado dela na banqueta. Ela sentiu a presença dele preencher todo o ambiente. Seu aroma almiscarado parecia ter se intensificado por estarem ombro a ombro. Ela se sentiu tonta e precisou respirar mais fundo, para reorganizar as ideias. Era assim que se sentia na presença dele. Com o coração acelerado, com a mente embaralhada.

- Posso? – ele perguntou, colocando os dedos sobre as teclas brancas.

- É claro. Você é o dono disso tudo, não eu – ela disse, em um tom humorado, tentando controlar suas próprias emoções ainda.

Ele a fitou de soslaio com um sorriso enviesado. E começou a tocar uma melodia. No começo era melancólica, como se expressasse os sentimentos da alma dele. Depois, passou a ser mais calma, límpida, como se demonstrasse todo paz e alegria, em forma de canção. Ayla se deleitava ao ouvi-lo tocar com tanta paixão. Observava o rosto dele. O lado que não estava coberto era belo. E a expressão dele era de deleitamento. Não olhava para as teclas, deixava seu queixo erguido, cabeça levemente inclinada para trás, com os olhos fechados. Ela ficou deslumbrada por vê-lo daquela forma, tão tranquilo e apaixonado. Quis tocar sua face, mas segurou o ímpeto. Não queria assustá-lo.

Um assassino em Paris - O Fantasma da ÓperaWhere stories live. Discover now