Capítulo 6

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Os pingos de chuva grudam na janela, o cheiro de terra molhada paira pelo ar, e o vento balança as árvores em um movimento suave. Estou há um tempo no banho quente. A sensação febril me induz a ficar aqui por um bom tempo.

O uniforme está no box. Apesar de tentar burlar as regras sobre calças apertadas, usarei o fardamento padrão hoje. Alan disse que não somos obrigados a utilizar roupas de compressão.

Apesar de tudo, as reações da overdose ainda me assombram. Quero me sentir o mais quente possível, visto tantas camadas que pareço um boneco de neve. Caramba, para que fui inventar?

Serve como lição, não usem drogas.

Faça o que eu digo, mas não o que faço.

Fecho o zíper da jaqueta corta-vento. Seus compartimento e tecido pesado são característicos para um cenário de batalha, no entanto, também funcionam como um aquecedor portátil.

Meu cabelo é um inferno para arrumar. Tem horas que tenho vontade de alisar, mas sempre percebo ser uma ideia idiota. Meus cachos fazem parte de 90% da minha autoestima.

Me olho no espelho sujo do banheiro. Tenho heterocromia, um dos meus olhos tem um tom vermelho-âmbar, já o outro é um azul esverdeado, mas só é possível diferenciá-los na luz. Até agora, eu só tenho uma certeza: eu estou um gostoso.

— Abre essa porta! — Yuli grita do outro lado, não sei por que ela está tão estressada. — Faz quinze minutos que você está no banheiro!

— Pouco tempo, ué. — Realmente, isso não é nada comparado à duração do meu banho de beleza.

— Sinto em lhe dizer, mas a reunião é em CINCO MINUTOS!

Abro a porta na maior velocidade que consigo, quase atropelando Yuli, que entra no banheiro imediatamente. Ao meu lado, Noah assopra sua franja, tentando enfaixar seus braços com um lenço branco. Ele encaixa tanto no "padrão de beleza" que dói.

Toli está do meu lado, vestindo a sua roupa de sempre. Apesar de amar experimentar estilos novos e desvendar a teoria de roupas excêntricas, ele usa o mesmo conjunto na maior parte do tempo.

Seu moletom amarelo rasgado na prótese é sua marca registrada. Uma luva sem dedos, correntes e anéis também fazem parte de seu visual. Todo o seu conjunto combina com seu cabelo loiro.

Yuli amarra seu cabelo recém-pranchado com um elástico. O cheiro quente se espalha junto à fumaça da chapinha. Ao invés de usar a jaqueta, um blazer com detalhes prateados é complementado por um cinto de couro, anéis e coturnos. Por fim, amarra um lenço verde no pescoço.

Nosso comprometimento com nossas aparências não é à toa. Todos temos medo dos oficiais. Admiramos a capacidade de Alan em conversar com nossos superiores.

— Vamos? — Yuli sai do banheiro totalmente diferente da aberração que vejo diariamente. — Já estamos atrasados.

Obedecemos calados, enfrentá-la é como tentar suicídio.

O caminho até a sala de reuniões é tenso. Yuli rói as unhas enquanto quase se perde nos corredores. Minha respiração pesa ao reparar que todos estão ansiosos. É como efeito dominó, entende? Passamos longos segundos olhando a porta, entrelaçamos olhares, mas por fim abrimos.

A sala é pequena, apenas com uma grande mesa com várias cadeiras. Um cheiro de café recém-feito paira pelo ar. Consigo ver a grande estrela de Fules desenhada na parede. Alan está em pé, conversando com Órion. É o oficial da púrpura!

Os oficiais são os líderes da máfia, e Órion é com certeza o mais respeitado de Cortom. Ele administra os ganhos e gastos no subúrbio, inclusive articulando os agentes contra o governo.

A Ascensão das Chamas EscarlatesWhere stories live. Discover now