Capítulo 14

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Esperei muito tempo sem fazer nada.

Ficamos dando porrada naqueles pedaços de metal e fazendo ferramentas o dia inteiro — isso pode até ser bom na hora da rebelião. Só não esperávamos que seria tão cansativo, junto ao fato de "alimentação" ser apenas à noite.

Sim, estou cobrando direitos trabalhistas de um campo de extermínio.

Alguém me paga terapia, por favor.

Todavia, agora prefiro ficar eternamente de jejum do que comer aquilo novamente. Sabe comida podre? Então, a daqui é 100 vezes pior.

Eles jogam a comida em cima de uma grande mesa, é um emaranhado de carne podre de meses atrás. As refeições se assemelham a formigas correndo atrás de açúcar.

Nos reunimos sem um pingo de dignidade ao redor dos alimentos, cedendo à humilhação submetida pelos soldados ao sermos forçados a vomitá-la.

Os alimentos vão de bifes estragados até legumes infestados de pragas. Ou seja, caso queiramos sobreviver, precisamos deteriorar nosso organismo gradualmente.

Já são 2:00 da manhã, o único horário em que temos sem seguranças na porta. Conseguimos recrutar em média trinta pessoas do campo até o primeiro dormitório.

Todos aqui foram avaliados sutilmente para estarem conosco. Suas capacidades físicas, resistência, movimentos suspeitos...

São os mais puros entre os impuros.

O ar é pesado aqui. Toda a fumaça da fábrica vem para cá, incluindo a das câmaras de incêndio. O chão arenoso é totalmente imundo, onde centenas de milhares de insetos entram pelos ouvidos de qualquer um.

O cheiro é terrível, devido à falta de sanitários. Ouvi boatos de que boa parte das mortes aqui também são causadas por doenças adquiridas com a imundice do local.

A única iluminação que temos é oriunda de algumas faíscas que Alan conseguiu criar nos cantos da sala. O dormitório está escuro, mas é possível enxergar algumas pessoas.

Fizemos algumas coisas para se disfarçar dentro do campo. Em uma seção dolorida, conseguimos mudar nossas marcas. De 456, virei 466.

Motivo? Logo irão descobrir.

Todos estão cansados, arfando após um dia intenso de torturas, mas dispostos a aprender uma boa forma de escapar. Alan está encostado na parede, com algumas amostras de Host no bolso.

Toli e Noah estão na porta, com os braços cruzados, servindo como seguranças. Alan achou uma brecha na agenda dos guardas e conseguiu fazer com que estejamos seguros.

Minutos antes, ele mandou todos se sentarem, é como se estivéssemos em uma palestra. Respira fundo, ajeita o cabelo e sorri.

— Companheiros impuros, vocês devem estar se perguntando sobre o porquê de terem sido convocados para esta reunião secreta. Então, devo me apresentar. Sou Alan, oficial da Fulehart, e venho avisá-los que entraremos em guerra contra o regime.

Mentira. As coisas ainda não estão críticas a este ponto, e meu irmão não é oficial. Porém, tenho certeza de que falar isso deve dar uma credibilidade maior.

Os prisioneiros cochicham entre si. Olhares e suspeitas pairam pela multidão.

— Vocês podem não ter ouvido falar do nosso nome, mas com certeza nos conhecem. Caso morem em Greylin, sabem que tudo era regularizado e dominado por uma máfia. Exatamente, nós somos do movimento.

Parece que todos entram em estado de choque imediato. Os pequenos sons se abafam em um vácuo surpreendente. Alguns se afastam de Alan, enquanto outros cortam instantaneamente o contato visual.

Parece que não somos tão bem vistos quanto pensava.

— Como sabem, o poder de fogo e tecnológico do estado são milhões de vezes maiores que o nosso. Mesmo dominando a favela, jamais tivemos acesso à tamanha quantidade de armas quanto o governo tem, então, venho apresentar nosso maior trunfo: O MAO!

Cochichos voltam à multidão. Observando de uma ótica leiga, Alan parece um psicótico tentando catequizar uns prisioneiros desolados.

— O MAO é uma sigla para Matéria Ativa Organizada. É uma manifestação mental e física que pode alterar e manipular de forma versátil a matéria exterior e interior do nosso corpo. Ou seja, podemos ir de melhor resistência, agilidade e sentidos aguçados até controle de matéria externa conforme o pensamento e capacidades que a pessoa pode impor no ambiente, distorcendo traços da realidade.

Quando fala isto, estende suas mãos para o lado, une todas as pontas de seus dedos e contrai seus músculos. Já que sou uma pessoa treinada na utilização de MAO, consigo sentir a energia daqui.

Quando abre sua palma da mão, ondas plasmáticas se entrelaçam dentro dela. Todos ficam boquiabertos. Alguns prendem a respiração ao observá-lo. Outros fecham os olhos ao enxergar as faíscas.

Não os julgo, é algo magnífico... divino.

— E vocês podem fazer isso! — Muito motivacional. — Vou ensinar vocês a como aprender a usar as três formas de manifestação. Mas para poder utilizá-los, eu preciso que todos vocês tomem isso.

Ele puxa do bolso uma cartela com diversos comprimidos que brilham em carmesim.

— Essa é a Host. É através dela que vocês potencializarão seus glóbulos. Cada um deve tomar uma pílula, e a partir daí vocês poderão ver se conseguem usar MAO. Vocês estão sendo submetidos a um teste.

Ele vai a cada pessoa e dá uma pílula. Ele é cuidadoso, já que, ao primeiro contato com a substância, serão escravos de sua essência pelo resto das suas existências.

— Bem-vindos ao movimento. Agora, não há saída.

A Ascensão das Chamas EscarlatesWhere stories live. Discover now