Estranha aproximação

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Para Rafaela, mais um dia de trabalho tinha começado, marcado pela agitação do restaurante que ficava logo depois da recepção. Estava na hora do café da manhã e, como todos os outros clientes, Bradley veio se aproveitar da refeição.

Ela o viu outra vez, e sem saber exatamente porque, seu cérebro o captava como alguém distinto na multidão, talvez fosse por sua altura ou o bigode, ou até mesmo a camisa havaiana. Se atentando mais aos clientes novos e antigos que surgiam, Rafaela se ocupou com eles e não notou que uma das pessoas novas no hotel que chegaram hoje se sentou com o moço que se lembrava ter o nome de Bradley.

Natasha foi até onde o melhor amigo estava e lhe deu um abraço apertado.

-Ai, esse doeu! - ele reclamou, brincando - Nem faz tanto tempo assim que não nos vemos.

-Faz quase uma semana e você não deu muitas notícias - ela se justificou, se sentando na frente dele - mas não se preocupa, quer dizer, entendo porque fez isso, mas avisa da próxima vez, tá legal?

-Sim, senhora - ele respondeu, um pouco mais sério agora.

-Eu sei que tinha muito que processar, você e o Mav... - Natasha decidiu mencionar apenas os envolvidos na história, e não seus detalhes - mas como você tá agora?

-Eu tô bem, nós passamos um tempo juntos depois de tudo, nós conversamos e ele acabou me contando uma coisa - Bradley confessou um pouco mais - foi a minha mãe que pediu a ele que me impedisse de ser piloto, caso eu tentasse.

-Nossa, Roo... - ela suspirou, imaginando o quanto era difícil passar por uma situação dessas.

-Pois é, eu me senti culpado no momento, mas sabe, eu também entendi a minha mãe, eu... sempre senti a falta do meu pai, sempre vou sentir aliás, mas pra ela, a possibilidade de perder nós dois, ainda mais da mesma forma, era demais... - ele comentou sobre tudo - mas o Mav tinha razão sobre eu não estar pronto, eu tenho que dar o braço a torcer nisso.

-Ah, olha só, isso é um grande avanço - Natasha chegou a assobiar, tirando um pouco o tom sombrio da conversa.

-É nisso que eu vou focar agora, sabe? Não ser completamente desmiolado, mas confiar mais nos meus instintos, esse ano aqui na base vai ser uma bela oportunidade pra isso - ele concluiu, voltando a olhar para a amiga, notando-a com uma cara de espanto - que é?

-Você tá diferente - ela sorriu, chegando a rir um pouco, admirada, mas feliz pelo avanço dele.

-Diferente como? Claro, eu quase morri e isso pode mudar uma pessoa, mas eu quero saber exatamente o que tá pensando - ele instigou, chegando a cruzar os braços.

-Você tá menos marrento, amargo, mais pra filosófico e otimista - ela citou, explicando melhor - isso é muito bom, me deixa feliz te vez mais leve.

-Tá, entendi, também vou dar o braço a torcer pra você - ele riu - mas é, tem razão, mesmo assim, tem uma coisa que ainda me parece incerto.

-O que? - ela se sentou mais para a frente, curiosa.

-Eu não faço ideia de como vai ser esse ano aqui em San Diego - Bradley contou suas apreensões - claro, eu sei o que quero fazer, mas o que vem por aí, é difícil dizer.

-Isso ninguém sabe, só se você fosse um vidente - ela tentou brincar, dando de ombros. Acabou que deu certo porque Bradley riu novamente, dessa vez um pouco mais alto.

-Eu sei, não dá pra saber, só vamos ver o que acontece - ele concluiu, procurando usar o otimismo que Natasha tinha citado antes.

-É isso aí - ela assentiu, pensando ser aquele um bom plano.

Enquanto eles continuavam conversando, o som da risada distraiu Rafaela de seu trabalho por um breve período de tempo. Ela se segurou para não se virar por completo, apenas focada em seus objetivos, mas era difícil não ceder à sua curiosidade. Por que Bradley despertava sua curiosidade, ela não fazia ideia, mas estava disposta a deixar isso para lá. Mas ele mesmo, sem saber, não ajudaria com isso.

Um tempo depois, Phoenix e Rooster se despediram, e Rafaela notou a moça passar, imaginando que se tratava de uma namorada dele. Ela levou a manhã toda trabalhando, vendo a agitação de mais cedo se dissipar, até se tornar nos garçons arrumando as mesas, limpando tudo, e cada cliente voltar às suas vidas e ao que tinham que fazer, ficaram apenas duas pessoas ali no hall, ela e Bradley.

Ali estava ele novamente, com aquele jeito pensativo e solitário. Rafaela se atentou ao que tinha que fazer no momento, catalogando algumas listas importantes, sem agora notar como as coisas tinham se invertido.

Bradley pensou que, por mais que tivesse os amigos por perto, ele estava prestes a encarar uma jornada sozinho, a adaptação de se estar num novo lugar, e até mesmo ter novos colegas de trabalho. Ali naquele hotel onde tinha passado apenas um dia, se sentia sozinho, tirando o fato de que a recepcionista estava bem ali, só ela e ele ocupando todo aquele lugar.

Alguma coisa o fez se levantar e ir até ela, sem saber direito o que estava procurando.

-Oi, eu queria perguntar uma coisa - ele se aproximou e disse a ela, com certa casualidade.

-Pois não, sr. Bradshaw - ela levantou seus olhos e sorriu quase de forma automática, mas aquela verdade em sua simpatia ainda estava um pouco ali, ele deu um sorriso surpreso por ver que ela ainda lembrava do seu sobrenome.

-Até quando funciona o serviço de quarto? - foi o que veio à sua mente, o que era interessante, porque tinha acabado de comer e já estava pensando nas possibilidades de novas refeições.

-Até as 22h - Rafaela disse cordialmente - você pode ficar à vontade pra fazer o pedido até esse horário.

-Certo, obrigado - ele assentiu - e como eu faço para renovar minha estadia?

-Bom, é só falar comigo, você pretende ficar aqui mais tempo? - ela perguntou de maneira muito profissional.

-Ah sim, até eu encontrar um apartamento, eu estou de mudança pra cá - ele acabou contextualizando.

-Bom, seja bem vindo a San Diego - Rafaela continuou educada.

Era raro clientes puxarem assunto com ela, pelo que ela era grata, mas até então, ela não achou Bradley inconveniente, além disso, precisava manter a educação com um cliente do hotel.

-Você é daqui? - ele acabou ficando curioso sobre isso.

-Não, mas... - ela suspirou um pouco, esboçando leves sinais de incômodo - isso me parece uma pergunta bastante pessoal que eu não gostaria de responder, acho que o senhor está ultrapassando alguns limites.

-Ah meu Deus, me desculpa, me desculpa não era minha intenção - ele chegou a baixar a cabeça, envergonhado - é só que... eu sei, tô parecendo inconveniente, me desculpa por isso, senhorita, eu vou deixá-la trabalhar em paz.

-Está tudo bem, não se preocupe - ela preferiu apaziguar.

Depois de um balde de água fria desses, Bradley achou melhor se afastar e se concentrar no próprio trabalho.


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