Ato de gentileza

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Pelos últimos dez minutos desde que Bradley tinha desaparecido da vista dela, Rafaela tinha sido completamente tomada pelo sentimento de culpa. Mais uma vez ,se censurou por tê-lo afastado daquele jeito com uma bronca quase gratuita, era um motivo tolo, com certeza, para se ficar tão exaltada daquele jeito, mas ela também tinha um senso de responsabilidade do seu posto. Ficar jogando conversa fora com um cliente enquanto trabalhava não era o ideal, mas também não era o ideal ser rude com alguém que até agora nunca tinha lhe dado trabalho, e olha que ela tinha lidado com todo tipo de cliente trabalhando no Golden Rays.

Chateada e pensativa, começou a elaborar uma ideia para se redimir. Sem ter ideia, Bradley se sentia da mesma forma que ela. Não esperava uma resposta tão rude para uma pergunta tão simples como aquela, ficou pensando se  por um instante não tinha sido ofensivo de alguma forma, mas toda sua análise da situação lhe dizia que não. Concluiu que talvez sua boa ação não era tão bem vinda assim e no fim das contas, era melhor deixar Rafaela em paz.

No dia seguinte, ele se concentrou em encontrar um apartamento, era seu objetivo se estabelecer em San Diego e não ficar somente na base, ter um espaço somente para si, que fosse mais pessoal. Ele se levantou e aproveitou o café da manhã, mas antes que saísse, percebeu alguém o observando por cima dele. Seus instintos de piloto se ativaram, atentos ao que quer que fosse que o estivesse ''sobrevoando''.

Rafaela tinha notado quando ele chegou ao hall novamente, sério, quieto, talvez parecido demais com ela. Deixando para trás qualquer força que a prendesse ali, ela criou coragem e foi até ele. Limpou a garganta e depois prosseguiu, dando de cara com o olhar inquisitivo dele.

-Com licença, sr. Bradshaw # ela colocou as mãos para trás, mais um sinal de extrema vergonha e constrangimento.

-Eu fiz algo de errado? - o lado defensivo dele liberou de uma vez.

-Não, não, na verdade, não - ela fechou os olhos e suspirou - deixa eu me explicar, tenho certeza que tô muito confusa e você não tá entendendo nada.

Bradley apenas balançou a cabeça negativamente, em resposta.

-Muito bem - Rafaela prosseguiu - eu só queria me desculpar por ontem, quando você perguntou se eu era daqui, é só... que bem, eu pensei que não era adequado eu conversar casualmente com um cliente, não me pareceu profissional.

-Essa parte eu entendi, e me desculpa por não ter pensado isso na hora - ele achou melhor comentar.

-Não, eu fui a errada da história = Rafaela insistiu - foi só uma pergunta e eu me ofendi, eu tendo a fazer muito isso, me desculpa, é só que... as minhas origens são um tópico sensível.

-Bom, aí sim eu estaria ultrapassando limites se me pedisse pra explicar mais - ele foi sensível e compreensível o suficiente.

-Pois é, obrigada por entender, nem todo mundo entende - ela confessou, com outro suspiro.

-Bem, parece que ao menos nós estamos nos entendendo - ele arriscou uma piada, para deixá-la menos tensa.

Acabou dando certo porque Rafaela deu um singelo sorriso, que foi notado por Bradley, e por um breve momento, ele achou que combinava com ela deixar um pouco a expressão séria.

-Pois é, eu queria dar isso aqui pra você, além das desculpas - ela tirou algo do bolso da calça, uma simples barra de chocolate, o que o deixou surpreso e animado - eu não sei se é alérgico ou algo do tipo.

-Não, não sou, eu adoro chocolate, obrigado - ele aceitou a oferta que vinha com as desculpas.

-De nada, sr. Bradshaw - ela respondeu educadamente, já pensando em voltar ao seu posto.

-Pode me chamar de Bradley, por favor, ou Rooster, se preferir - ele avisou antes que se afastasse.

-Rooster? - Rafaela acabou deixando escapulir sua surpresa ao pronunciar a palavra, esperando não soar rude ou rir inapropriadamente.

-É, é um apelido, um codinome, eu sou piloto da Marinha, é algo comum entre a gente - ele acabou se estendendo na explicação, esclarecendo tudo.

-O que? Você é piloto de avião? - à essa altura, Rafaela já tinha perdido os filtros da discrição e dado vazão à sua surpresa - você tá mentindo, não tá? É tipo... uma profissão tão incomum...

-É, pode até ser - ele coçou a cabeça, desconcertado, começando a sorrir desconfortavelmente - mas eu não tô mentindo não, eu sou piloto mesmo, com patente de tenente e tudo mais.

-Tá, eu... - dessa vez ela chegou a enterrar o rosto nas mãos, completamente envergonhada - eu acho que abusei da sua paciência até demais, eu só queria me desculpar e acho que causei mais problemas.

-Problema? Que problema? - ele deu de ombros, voltando a tranquilizá-la outra vez.

-Eu não acreditando no que tá me dizendo - ela balançou a cabeça, se auto censurando - bem, me desculpa de novo, e... eu te desejo um bom dia... Bradley...

-Um bom dia pra você também, Rafaela - ele se despediu dela, falando seu nome com o ''R'' enrolado típico dos americanos.

Ser chamada pelo primeiro nome por um estranho, não tão estranho assim, dadas as circunstâncias, a deixou surpresa também, ninguém se dava ao trabalho de aprender o nome dela em meio a todas as pessoas que atendia por dia.

-Obrigada, Bradley - ela acabou retribuindo o uso do primeiro nome.

Forçou um dos seus sorrisos de cortesia e se voltou para seu posto. Era muito estranho o que tinha acabado de acontecer. Claro, era estranho ela fazer tanto caso da pergunta dele no dia anterior, e sua consciência a forçar a pedir tantas desculpas. Ainda assim, Bradley tinha insistido em ser gentil, quase como se entendesse o nervosismo dela, mesmo se vendo tão poucas vezes.

Respirando fundo, Rafaela decidiu seguir em frente. Tinha corrigido seu erro e daqui há alguns dias, talvez nem o veria nunca mais. Ele só estava sendo gentil e ser assim era o que era esperado de qualquer ser humano no mínimo decente. Pelo seu ato de gentileza, ela tinha que acreditar que Bradley era um homem decente.

Sutil InsistênciaWhere stories live. Discover now