Levados pela Emoção

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Foi por acaso que o motivo da felicidade de Rafaela no momento surgiu naquele dia que parecia estar marcado para ser comum. Mas alguma coisa, ela escolhia acreditar que tinha sido Deus, de alguma forma estava dizendo a ela para sair e se divertir de uma forma que ela realmente apreciaria.

A propaganda de que a tour nacional de Bandstand chegaria a San Diego no próximo mês apareceu em seu feed de notícias, o que a fez guardar um grito de animação dentro de si, expresso apenas por um sorriso. Sua mão foi à boca em choque, os olhos se sobressaltaram, sem conseguir pensar em como aquela era uma possibilidade em um milhão. Não poderia perder a chance de ver um dos seus musicais preferidos ao vivo.

É claro que ela tinha um certo receio de ir ao evento sozinha, mas então se lembrou de Bradley imediatamente. Sua parte negativa a fez pensar se ele não detestaria a ideia, afinal, não era a maioria das pessoas que apreciavam musicais. Rafaela apenas desejou que Bradley não fosse uma dessas pessoas. Mas seu lado positivo acabou prevalecendo logo depois, ele era um amigo e tanto, talvez poderia se sacrificar por ela. E depois, caso tivesse seu desejo concedido, prometeria ir com ele até o tal Hard Deck como recompensa. Não custava perguntar.

Ela cogitou ligar para ele e propor o convite, porém se segurou e achou melhor mandar uma mensagem, pedindo que ele viesse vê-la no Golden Rays assim que pudesse. Bradley apenas sorriu ao ver aquilo, era um belo avanço desde que tinha a conhecido, significava que agora Rafaela estava disposta a conversar mesmo no ambiente de trabalho. Talvez o requisito para que ela aceitasse isso fosse serem amigos.

Tamanha era a pressa dele por vê-la, que ele nem se deu ao trabalho de trocar o uniforme. Quando terminava o treino, trocava o traje de voo por uma farda oficial, com suas qualificações bem demonstradas do lado direito do peito.

Foi vestido assim que ele chegou ao hotel, chamando um pouco de atenção de quem estava ao redor, mas nada que se comparasse ao tamanho da reação silenciosa de Rafaela, o reconhecendo logo de cara, mas sentindo considerável impacto por seus trajes diferenciados. Se ainda tinha alguma dúvida de que ele era um piloto, agora não tinha nenhuma. Reconhecia que o uniforme militar vinha bem a calhar.

-Então, Raf, qual é a boa? – o tenente Bradshaw se recostou no balcão, apoiando um braço ali descontraidamente.

O simples gesto causou outro arrepio em Rafaela. Ela disfarçou um suspiro repentino com um sorriso singelo.

-Obrigada por vir, eu espero não ter te atrapalhado ou interrompido nada importante – ela logo arrematou, tentando disfarçar sua reação repentina.

-Não, na verdade, eu fiquei bem feliz de ver sua mensagem – ele confessou, igualmente contente – então, o que queria me contar?

-Então, eu não sei se você curte muito musicais ou teatro, mas é que... – Rafaela coçou atrás da nuca, temendo receber um não – meu musical favorito vai se apresentar na cidade no próximo mês, eu gostaria muito que você fosse comigo.

-Ah isso... Puxa, eu não imaginava que gostava de musicais... – Bradley ficou um pouco surpreso com a proposta – mas é claro que eu vou com você, nós somos pianistas, esqueceu? Toda essa coisa de música tem muito a ver com a gente. Mas sobre o que é o musical?

-Bem, eu imaginei que fosse ao menos interessante pra você – ela começou sua explicação – é sobre um soldado da 2ª Guerra Mundial, ele volta da guerra e tem um concurso no rádio em homenagem aos soldados, pra uma canção original de uma banda, e aí o soldado forma uma banda com uns amigos e uma moça, que... bem, se eu contar aqui, acabo entregando uma reviravolta.

-Um militar que também é músico, entendi a ligação, me parece muito interessante – Rooster alisou o bigode, pensativo – ainda mais ao vivo. Me diz quanto é e quando vai ser.

-Vai ser mês que vem, mas não se preocupe com os ingressos, eu faço questão de pagar – Rafaela informou.

-Não, Rafa, não precisa, sério – ele negou a possibilidade de vez.

-Não, me escuta, você tem sido muito legal comigo, então eu queria retribuir – ela deixou claro – além disso, eu posso retribuir com uma ida ao seu Hard Deck.

-Iria mesmo até lá? – aquilo iluminou Bradley – bom, não vá se não quiser, só se você quiser.

-Garanto que seria uma escolha minha – ela assentiu.

-Certo, temos um combinado então – ele acabou estendendo uma mão, o que fez Rafaela rir pela formalidade do gesto, mas ela apertou mesmo assim.

Igualmente, os dois mal podiam esperar para verem Bandstand ao vivo.

Assim, o mês acabou passando rápido e a data do evento finalmente chegou, Bradley estava em frente ao prédio de Rafaela pontualmente, e então, a viu sair pela porta principal. Os cabelos estavam soltos, usava um vestido mais claro para a ocasião, da cor bege, com sapatos mais baixos dessa vez. Mesmo simples, ela sempre parecia linda para ele.

Ele tinha se esforçado para parecer elegante, mas não muito formal. Calças e paletó do mesmo terno, gola da camisa aberta, mocassins. Rafaela podia dizer que ele estava tão bonito quanto no dia que o convidou para ir onde estavam indo. Sem mais delongas, se dirigiram ao teatro e lá, se deixaram levar pela história.

Era profundo e emotivo como o autor da peça tinha levado aos palcos, de forma muito física, os traumas da guerra. Bradley tinha se lembrado dos acidentes que teve em serviço, mas não de um jeito ruim a ponto de paralisá-lo, mas uma experiência de vida que fazia entender perfeitamente os homens retratados ali, baseados em pessoas reais.

O que o pegou de surpresa foi o romance de Donny e Julia, como ele foi se desenvolvendo e o conflito latente de estarem fazendo algo inapropriado, já que Michael, falecido marido dela, tinha sido o melhor amigo de Donny e teve que deixá-lo para trás para morrer, devido às circunstâncias que estavam. Era brilhantemente complicado e dramático, assim como os próprios sentimentos do tenente por sua amiga.

Toda essa emoção acabou o levando às lágrimas, era difícil não associar tudo que tinha passado durante a vida toda com o que tinha visto.

Os dois saíram dali emocionados, certamente extasiados com o que tinham visto. Porém, antes que Rafaela dissesse qualquer coisa, notou o estado completamente emotivo do amigo, de um jeito que ela nunca tinha visto antes. Bradley tinha contado coisas pessoais e trágicas a ela antes, mas ainda assim, não estava tão abalado quanto agora. Olhos cheios de lágrimas, os lábios tremendo por debaixo do bigode, os ombros instáveis.  

O homem que tinha sido sempre mais forte que ela estava devastado e, de certa forma, Rafaela não pôde deixar de se culpar, afinal, ela tinha achado uma boa ideia mostrar o musical a ele, mesmo sabendo de todo seu histórico.

-Eu sinto muito - ela conseguiu balbuciar depois de concluir isso - eu não queria... eu não...

-Está tudo bem, Rafaela, sério - Bradley assegurou antes que ela dissesse qualquer coisa a mais - eu só não esperava me emocionar tanto, eu lembrei de algumas coisas... foi só isso...

-De qualquer forma, a ideia foi minha, a culpa foi minha de deixar você nesse estado... - levada pelo sentimento de fazer alguma coisa para se redimir, ela o envolveu num abraço apertado, da melhor maneira que podia dada a diferença de altura deles.

Bradley se surpreendeu dessa vez, não esperava algo assim, já que eles mal se tocaram em todo o tempo que se conheciam. Ele estava preocupado com o que poderia levar Rafaela a fazer isso, mas apreciou a aproximação o quanto pôde.

O instinto de amor e proteção invadiu Rafaela de uma forma avassaladora, algo que nunca tinha sentido antes, completamente diferente. De repente, nada mais fazia sentido em sua mente do que consolar Bradley com um beijo. Ela se ergueu na ponta dos pés e beijou os lábios dele rapidamente, chegando a sentir o bigode a arranhar levemente.

Foi tudo muito rápido, mas aquilo a fez despertar do seu bizarro transe. Ela se afastou dele de maneira brusca e completamente assustada, como se cometesse o pior crime do mundo.

-Me perdoa, eu não queria, eu não devia... - ela ficou completamente atônita, repetindo entre soluços.

Se sentindo encurralada, sem ter para onde ir, só restou a Rafaela sair correndo, pedindo um Uber para voltar para casa. Deixando Bradley completamente confuso e preocupado para trás.

Sutil InsistênciaWhere stories live. Discover now