Transição (primeira parte)

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Não foi preciso muita coisa. Um delineador preto no cantinho dos olhos, um blush pra dar um rosinha suave nas bochechas e por fim, um batom rosa cintilante. Apenas alguns toques pra realçar meus traços femininos.

Eu mesma não sabia o tanto que eu era bonita.

E pra realçar ainda mais, a Larissa fez duas tranças em meu cabelo igual as dela.

Estava distraída me admirando no espelho quando a Gisele entrou de repente. Fiquei paralisada e sem reação. Gisele abriu a boca num sinal de admiração levando as duas mãos ao lado do rosto e exclamou:

- Meniiiiiinaaaaaa !!! Que lindaaaaaaa !!! - virando o rosto pra trás chamou - Laura, ô Laura. Venha aqui amor. Vem ver uma coisa.

Então Laura chegou falando:

- Uau !!! Essa é a Bruna? Garota, você tá um arraso.

Eu corei de vergonha e elas perceberam isso. Laura falou:

- Não precisa ficar com vergonha não. Você tá bonita demais.
- Bruna - disse Gisele - se eu passasse por você na rua, não teria dúvida de que é uma menina.

Por fim eu falei, menos tímida:

- Vocês são maravilhosas.
- Aaaah !!! - exclamaram elas me abraçando.

Depois Larissa maquiou a si mesma me explicando direitinho. Foi uma aula completa de automaquiagem. Me fez tirar toda a maquiagem e refazer eu mesma. Confesso que fiquei linda como antes. Levo jeito pra coisa. Depois tive de tirar novamente pra ir pra casa. Tirei pensando: "a próxima maquiagem quero que seja pra sair na rua".

Afinal eu me passava facilmente por uma menina, uma menina bonita.

Chegando em casa fui revirar as maquiagens da minha mãe e felizmente ela tinha tudo do que precisava. Estava guardando as maquiagens quando ouço minha mãe me chamando. Quando chego na sala encontrei minha mãe sentada e minhas irmãs Aninha de seis anos e Alice de cinco, sentadas uma de cada lado dela curiosas pra saber qual seria o assunto daquela reunião. Senti um friozinho na barriga. Oque será que minhas irmãs vão pensar de mim ?!!! Minha mãe olhou pra mim e disse com ternura:

- Pode sentar aí meu amor.

Após sentar minha mãe começou:

- Muito bem meninas. É o seguinte, vamos falar de um assunto diferente hoje. Quando uma criança nasce, as pessoas sabem se é menina ou menino pelo piupiu e a xaninha. Se tiver um piupiu é um menino e se tiver uma xaninha é menina. Mas tem outra coisa muito importante. É o coração. Tem o coração de menino e coração de menina, as vezes acontece de um menino nascer com o coração de menina.

- Eu tenho coração de menina mamãe? - perguntou Aninha.
- Sim - respondeu minha mãe - e seu irmãozinho tem um coração de menina também.
- Então o Bruno é menina? - perguntou Alice.
- Isso mesmo.
- Que legal - disse Ana - agora tenho uma irmã mais velha.
- Nossa - disse minha mãe - pensei que ia ser mais difícil. Tinha mais coisa pra falar mas por hora acho que já está bom.

Então olhou pra meninas e disse:

- A partir de hoje vocês vão chamar ela de Bruna,entenderam?
- Sim mamãe - responderam as duas juntas e, correram pra me abraçar. Abracei elas olhando pra minha mãe e disse:

- A senhora é demais mamãe.

Aí a Aninha já veio com o interrogatório, como era de se esperar:

- Bruno, quero dizer, Bruna. Você vai usar roupas de menina?
- Vou sim...se sou uma menina, vou usar roupas de menina.
- Que legal, quando eu crescer vou ficar com as suas roupas.
- Eu nem tinha pensado nisso. Você é espertinha heim maninha.

Todos riram.

Depois minha mãe veio e me disse:

- Hoje a noite já converso com seu pai.

Ao ver meu rostinho ficando preocupada, ela me anima:

- Ei mocinha. Fica tranquila. Você não tem idéia de como é o seu pai.

Achei estranho oque ela falou, mas não perguntei mais. Logo senti as meninas me puxando pra brincar com elas.

- Vamos Bruna - falavam elas.

Passei o resto do dia com aquela frase na cabeça, "você não tem idéia de como é o seu pai". Oque seria isso? No lugar da janta fizemos um lanche mais leve. Pão de forma com patê de frango e guaraná.

Depois do lanche, minha mãe se trancou no quarto com meu pai, e ficaram um bom tempo lá. Como gostaria de ser uma mosquitinha pra ouvir aquela conversa. Tava assistindo TV, mas não tirava os olhos da porta do quarto onde estavam. Porque demoravam tanto? Oque tanto conversavam?

Depois de longa espera eles finalmente abrem a porta. Levanto toda esperançosa, mas minha mãe apenas nos manda irmos pra o nosso quarto dormir. Fiquei decepcionada, mas obedeci. Não sou de ficar negociando as ordens da minha mãe. Deito com meu pijaminha que mais parece um baby dool de tão curtinho. Quando já estou deitada com os pensamentos a mil, meu pai entra. Meu pai era magro com um cabelo castanho e nunca era cortado baixinho. Gostava do cabelo maior e sem barba nem bigode.

Sentou na beirada da cama ao meu lado. Eu também sentei me ajeitando como o travesseiro nas minhas costas.

Daí ele começou:

- Bem, eu conversei com sua mãe e ela me contou tudo que aconteceu desde o aniversário da Aninha até a última conversa que tiveram com suas irmãs. A princípio pode ficar tranquila pois também vou te tratar como minha filha. Nunca, jamais te rejeitaria por isso. Quando chegar em casa e te ver com roupas de menina eu vou te amar ainda mais.
- Nossa pai, sério? Nem tô acreditando.
- Pode acreditar filha. E tem mais. Nós somos muito parecidos.
- Como assim, pai?
- Quando eu era mais novo eu era igualzinho a você.
- Como? - perguntei espantada.
- Isso mesmo. Sempre fui apaixonado por coisas femininas. E como pode ver, eu não uso barba, sou todo depilado, faço unhas com base feminina, uso cremes femininos e perfume de mulher, e como você eu também uso calcinha - disse ele afastando uma beiradinha do short do pijama revelando uma calcinha branca com desenhos de florzinhas.

Fiquei passada. E também maravilhada ao mesmo tempo. Então era isso a que se referia quando minha mãe disse, "você não tem idéia de como é seu pai".

Então ele continuou:

- Como você, eu sou apaixonado por mulher e tive sorte de encontrar uma mulher maravilhosa como sua mãe que me aceitou do jeito que eu sou. Mas por causa da sociedade em geral, eu nunca tive coragem de me expor pras pessoas como realmente eu sou. Mas eu quero que você tenha tudo com que sonhou. Que tenha a oportunidade de ser quem você quiser ser. Eu e a sua mãe vamos te apoiar em tudo e vamos lutar contra qualquer um que tentar te magoar.

Nessa hora eu não aguentei e pulei no meu pai dando um abraço forte nele.

- Papai, eu nem sei oque falar. Não esperava isso, mas estou muito feliz.
- Que bom, filha, minha filhinha linda. Estou ansioso pra te ver como menina. Deve ter ficado linda.

Então eu pensei, "o senhor nem imagina o quanto viu".

Daí minha mãe entrou perguntando:

- Como estão as coisas aí?
- Melhor impossível. Vocês são os melhores pais do mundo. Eu amo vocês.

Acabamos nós três abraçados, sabendo eu que uma vida nova me esperava. Uma vida como sempre sonhei.

Diário de uma Menina TransOnde histórias criam vida. Descubra agora