Churrasco

21 1 2
                                    

Acordei bem animada naquela manhã de domingo. Logo ao acordar escutei meu pai falando no telefone algo sobre identidade de gênero e transição. Vi que estava falando sobre mim. No final da conversa tinha algo como "e não quero saber de piadinhas sem graça viu". Percebi que estava preparando as pessoas sobre minha mudança de menino pra menina.

Poderiam até questionar minha transição, mas não tinham como questionar o fato de eu estar uma gatinha linda.

Tomei um achocolatado no leite com pão de queijo. Tomei um banho e me aprontei. Vesti a calcinha que tinha ganhado da Marina, o vestido rosa que já tinha separado, uma meia rosinha cheia de lacinhos, um tênis lilás todo enfeitadinho, várias pulseiras de bolinhas coloridas, presilhas no cabelo, batom rosinha e um colarzinho fofo. Sem contar o brinco (que não doía mais).

As nove horas em ponto paramos em frente a casa da Larissa. Quando bati campainha, imediatamente o portão abriu. Acho que a Larissa estava lá atrás me esperando. Ela estava linda com um vestidinho todo florido e uma sandália da mesma estampa do vestido. Tinha uma tiara prendendo o cabelo chanelzinho e pulseiras iguais as minhas.

Quando ela me viu, colocou as duas mãozinhas na boca aberta em sinal de espanto e disse:

- Nossa Bruna, você está um arraso de bonita... que linda.
- Você é que está maravilhosa amor.

Depois da mãe da Larissa dar as recomendações, seguimos viagem. Era uns quarenta minutos até chegar a casa da Marina. Estava apreensiva pois aquele povo todo nem sonhava sobre eu ser menina. Seria uma coisa totalmente nova e queria ver a reação da Marina pois ela não sabia de nada sobre minha mudança radical. A Larissa também estava caladinha e pensativa pois ela não era apenas uma amiga da família. É minha namorada, e igualmente seria alvo de atenções.

Finalmente chegamos. Quando desci do carro e entrei na casa, todos os olhares foram pra mim. Parece que tinham visto um animal desconhecido no zoológico. A Larissa mais que depressa segurou a minha mão e com isso me senti mais segura. Então choveram de elogios dizendo o quanto eu estava linda. No meio daquele fuzuê todo eu vi a Marina paralisada lá dentro da cozinha me olhando fixamente. Daí ela veio andando devagarinho me olhando de cima a baixo. Parou na minha frente e de repente me deu um abraço tão apertado que quase me sufocou. Depois de um abraço longo, ela disse:

- Meu Deus...como você está linda prima... é uma menina completa.
- Obrigada - peguei na mão da Larissa e puxei ela pra perto de mim - essa é a minha namorada.
- Nossa...que linda - ela deu uma olhada em volta e em seguida segurou em nossas mãos e foi nos puxando pro quarto dela. Entramos e ela fechou a porta.

- Agora sim, está melhor. Que povo chato e curioso.

- Obrigada Marina - disse Larissa.
- Eu vi que você estava desconfortável lá - e olhando de novo pra mim ela disse - prima, oque aconteceu com você? Me conte tudo.

Então eu e a Larissa contamos tudo nos mínimos detalhes. Do desfile, da revelação pra minha mãe, da aceitação da minha família, do nosso namoro, das compras das novas roupas. A cada detalhe ela ia ficando mais admirada. E por fim eu levantei o vestido revelando a calcinha que ela tinha me dado de presente.

- Eu sabia que você viria com ela, mas não desse jeito.

Então Marina levantou a saia mostrando a calcinha igualzinha a minha.

- Estamos iguais, como prometido- disse eu.

Então Larissa disse:

- Se soubesse que sua prima era tão bonita assim, ficaria com mais ciúme ainda.
- Que isso Larissa. Você é maravilhosa de linda.
- E linda de todas as formas viu- disse eu.
- E você está divina Bruna. Sei que você fica linda como menina pelas vezes que te maquiei, mas com as roupas e acessórios ficou maravilhosa.

Nisso a porta se abriu e apareceram Néia e Neusa, as primas chatas. Já entraram falando:

- Viemos ver o nosso primo que virou gay.
- Ninguém chamou vocês aqui suas chatas - disse Marina.
- Não estou falando com você, sua baleia.

Nisso a Marina empurrou a porta com toda força. A porta bateu com toda força bem no nariz da Néia e com o impacto ela cai pra trás batendo a parte de trás da cabeça  na boca da Neuza que estava logo atrás dela. As duas adolescentes caem no chão e Marina empurra a porta com tudo e logo que a porta bate, minha prima roda a chave.

Eu e a Larissa ficamos paralisadas e admiradas da ação da Marina.

Logo escutamos as duas esmurrando a porta e gritando:

- Abre a porta sua pirralha.

Mais que depressa a Marina soltou um grito que até doeu no meu ouvido:

- Paiêêêêê !!!

Em poucos segundos escutei a voz do tio Rui do lado de fora da porta falando:

- Oque tá acontecendo aqui?

Então Marina abriu a porta e eu vi a Néia com a cara cheia de sangue proveniente da portada no nariz e a Neuza com um corte na boca por causa da cabeçada da irmã. Nisso o tio Toni, o pai das primas chatas foi chegando. Aí a Marina falou:

- Essas duas aí invadiram meu quarto pra fazer chacota da Bruna. Aí eu empurrei a porta antes que elas entrassem.
- Puxa vida - bradou o tio Toni -  vocês duas só me dão vexame.

Saiu arrastando as duas pelo braço falando:

- Vocês estão de castigo, sem televisão, sem vídeo game, sem celular...tudo isso durante um mês pra vocês aprenderem a se comportar.

- Mas pai - disse uma delas.
- Cale a boca senão vai ser pior.

Então o tio Rui falou:

- Tudo bem com vocês, meninas?
- Tudo sim papai.

Nisso havia se formado um bolo de gente curiosa no corredor pra ver oque tinha acontecido. Nisso o tio Rui disse:

- Vamos voltar pro churrasco gente... não aconteceu nada. Vamos lá.

Novamente a Marina fechou a porta e disse:

- Aí Larissa, me perdoe por tudo viu.
- Que isso Marina, não foi sua culpa. Ao contrário... nós ficamos admiradas com oque você fez. Colocou aquelas duas no lugar delas.

- Bem feito pra elas - disse eu.
- Vamos brincar - disse Marina abrindo uma caixa colorida e tirando varias bonecas de dentro dela.

Ficamos o dia todo brincando de várias brincadeiras de meninas.

Fiquei analisando, que aquela foi a primeira vez que tive uma reação negativa em relação a minha transição. Até então, tudo tinha corrido a mil maravilhas. Mas nem tudo são flores. Tinha de estar preparada pros espinhos. Infelizmente existem pessoas infelizes que tem o prazer de perturbar a felicidade dos outros.

Existe um preço a pagar pra conquistar nossos objetivos, mas estou disposta a lutar por eles.

O principal eu já consegui que é a aceitação da minha família. O resto é resto. Sou menina e pronto.

Diário de uma Menina TransWhere stories live. Discover now