Diário de uma Menina Trans

Um sábado com Larissa

Quando eu cheguei na sala com meu cabelo cheio de trancinhas, fiz maior sucesso.

- Que coisa mais linda , Larissa - disse minha mãe - você é muito talentosa. Seu trabalho está profissional.
- Obrigada. Mas tudo o que a gente faz na Bruna fica bonito. Ela já é linda por natureza, eu só dou um retoque.
- Você que é linda.
- Linda mesmo - disse Alice.
- Ai gente, assim eu fico sem jeito.
- E aí menina bonita, vamos almoçar?- disse minha mãe.
- Muito obrigada, mas...
- Mas nada- disse eu colocando um prato em sua mão - vai almoçar com a gente e pronto.

Depois de um delicioso almoço, enquanto saboreava um pudim de leite condensado, minha mãe diz:

- Larissa. Amanhã iremos visitar uns parentes e queria te convidar pra ir com a gente. A sua presença seria muito importante pra Bruna. Não falei nada com sua mãe ainda pois queria saber se vai aceitar o convite.
- Quero sim. Quero estar ao lado da minha namorada pra apoia-la em tudo.
- Nossa Larissa, você é maravilhosa - disse minha mãe, abraçando ela- vou ligar pra sua mãe.

Em seguida fui puxando minha namorada pela mão em direção ao meu quarto.

- Quero que me ajude a escolher uma roupa pra usar amanhã.Quero ficar bem bonita pra Marina. Ela foi a primeira a me tratar como menina.
- No dia do desfile quando nos contou sobre ela eu pensei que vocês estavam namorando.
- Não, não...a Marina é como se fosse uma irmã pra mim. Aquela irmã pra quem a gente conta tudo sem reservas. Foi ela que me presenteou pela primeira vez com uma calcinha. Foi a primeira menina pra quem eu confessei que gostava de usar coisa de menina. Mas paixão mesmo é só por você meu amor.
- Aaaaaah....lindaaaaa !!!
- Confesso que estou ansiosa pra contar tudo oque me aconteceu nessa semana pra ela.
- Na hora que ela te ver, vai ter um troço.
- Vai sim - disse eu abrindo meu guarda roupa - agora me ajuda aqui.

Tinha tantas roupas lindas, nenhuma usada ainda. Escolhemos umas quatro e colocamos em cima da cama. Dois vestidos e dois conjuntos de blusa e saia.

Acabamos escolhendo um vestido rosa bebê com estampas florais de feltro, muito lindo. Queria ir bem feminina.

- A calcinha já tá escolhida - disse abrindo a gaveta e pegando uma calcinha vermelha com desenhos de coraçõeszinhos brancos.
- A calcinha que a Marina te deu. Que linda.
- Lembra que fizemos um trato?
- Lembro sim.
- Trato é trato né.

Nisso minha mãe chega na porta:

- Oque vocês duas estão fazendo aí?
- Estamos escolhendo a roupa que vou amanhã.
- Muito bem. Larissa, já conversei com sua mãe e tá tudo certinho pra amanhã. Passo na sua casa as nove horas, está bem?
- Tá sim Cláudia. Tá perfeito.
- Vai ser muito bom você estar comigo.
- Como é sua prima?
- Ela é fofinha igual nós. Você vai amar ela. É super simpática e também muito bonita.

Então fui chegando mais perto da Larissa e comecei a passar a mão no seu cabelo chanelzinho e disse:

- Mas bonita igual você não existe.
- Ui, tá toda romântica.

Fui chegando mais perto sentindo seu delicado perfume e dei um selinho nela. Ficamos ali um tempo trocando beijinhos e abraços. Ficava hipnotizada pela sua beleza. Quando estava coma Larissa, nada mais importava, nem via o tempo passar.

Depois fomos pro quintal e ficamos na rede.  Deitamos na rede do mesmo lado e ficamos conversando sobre vários assuntos. Então a Larissa pergunta:

- Naquele dia do desfile a Carol te viu de calcinha mesmo?
- Menina - disse eu, olhando pra ela com cara de riso - até hoje você pensa nisso?
- E que eu fiquei com ciúmes de vocês duas fechadas naquele quarto.
- Ela só puxou o zíper do vestido, mas como o zíper começa lá embaixo, ela viu minha calcinha. Ou seja, minha, que na época era sua.
- Mas vocês demoram lá dentro. Oque estavam fazendo?
- Nossa. Que menina curiosa. Primeiro agente escolheu uma sandália pra eu usar e depois foi vários acessórios. Fui experimentando vários até achar os que ficaram melhores. Nos mulheres somos demoradas pra essas coisas.
- É...somos mesmo.
- Nunca vou esquecer aquele dia. E ele se tornou tão especial por causa daquele vestido lindo que você me emprestou.
- Hum... aquele vestido...
- O que tem aquele vestido?
- Não ria de mim, mas em casa eu dormi abraçada com aquele vestido sentindo o seu cheirinho a noite toda.
- Sériooooo ?!!! Aí que linda amor...oque eu mais gostei, não é apenas usar um vestido, mas usar o "seu" vestido.  Depois você me empresta ele de novo?
- Claro amor.
- Aquele dia fiquei doida de vontade de sair com ele na rua mas não tive coragem. Mas agora tenho.
- Mas agora eu quero estar com você...vou amar te ver passeando com meu vestido.
- Ai Larissa...ser menina é muito gostoso.
- Além de ser menina, você é uma menina muito bonita.
- E você é linda.
- Tá bom - disse Larissa me dando um beijinho no rosto - somos lindas !!!

Observando a Larissa vi que estava com um brinco muito lindinho de florzinha e comentei:

- Seu brinco é muito fofinho.
- Obrigada amor. Por falar nisso, eu vi que você não tem a orelha furada ainda né.
- É mesmo...vamos falar com minha mãe, talvez ela fure pra mim.

Saímos da rede e fomos falar com minha mãe. Chegando na cozinha ela estava acabando de guardar as vasilhas.

- Mamãe - disse eu animada - fura a minha orelha pra eu usar brinco igual a Larissa.
- Oi meu amor, não é a mamãe que fura, mas se quiser te levo a farmácia. Lá eles tem um aparelhinho próprio pra isso.

- Quero sim mamãe, quero sim.
- Só um minutinho que vou trocar de roupa e a gente vai.
- Obaaaaa !!!
- Que demais amor...vai ficar mais lindinha ainda - comentou Larissa.

E lá fomos nós.chegando lá, minha mãe conversou com uma moça muito bonita que nós atendeu com todo carinho.
Fomos ver os brincos eles tinham pois já fura a orelha com o brinco. A Larissa me ajudou a escolher. Escolhemos um pequenininho bem delicadinho.

A moça ajeitou o tal aparelho na minha orelha. Quando furou, eu vi até estrela de dor. "Puxa vida", pensei eu "oque eu fui arrumar". Depois o outro. Escorreu até uma lagriminha. A Larissa limpou o meu rostinho com a mão e disse:

- Tadinha amor. Daqui a pouco vai passar viu - e me deu um beijo no rosto.

A vendedora olhou e disse:

- Que gracinha, vocês são namoradas?
- Somos - disse Larissa.
- Eu também tenho uma namorada.
- Que legal - disse Larissa.
- Vocês são muito fofinhas...amei vocês - e olhando pra minha mãe, ela disse  - parabéns pelo apoio mamãe.
- Isso é amor de verdade - disse minha mãe.

Saí da farmácia feliz da vida por adquirir mais um ítem de menina, mas a sensação era como se tivesse sido picada por duas abelhas, uma em cada orelha. É o preço que pagamos por ser menina, mas vale a pena.