Aluna

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Esta segunda feira seria um dia decisivo na escola. Seria o dia da palestra da Sônia (a pedagoga trans). Tudo já estava preparado. Me sentia mais segura pois minha mãe estaria comigo o tempo todo. Ficou decidido que a palestra seria no primeiro horário. Nos reunimos no auditório da escola. A escola toda foi convocada, desde desde a diretora até as funcionárias da limpeza. Depois que todos estavam acomodados, a diretora subiu no palanque e disse:

- Bom dia a todos. Oque vamos falar aqui hoje é de suma importância. Vamos conversar sobre identidade de gênero. E pra isso convidamos a Sônia. Ela é pedagoga e trans.

Sônia era uma mulher trans de uns trinta anos aproximadamente. Era muito bonita com um cabelo loiro cacheado na altura dos ombros. Estava com um vestido florido justinho na parte de cima e soltinho da cintura pra baixo. Usava uma sandália de salto que realçava a sua elegância. E pelo pouco que conversamos, me pareceu uma pessoa maravilhosa.

Depois que cumprimentou a todos, chamou a mim e minha mãe para estar ao seu lado.

- Bom dia Bruno.
- Bom dia - respondi.

Naquela hora eu estava de uniforme normal, calça e camisa de botões na frente. Não tinha nenhuma pulseira, ou anel, nada. Até o brinco eu tinha tirado. A única peça feminina que estava usando era uma calcinha...que não dava pra ninguém ver.

- Quem conhece o Bruno? - perguntou Sônia.

Todos levantaram as mãos. Bem na primeira fileira de cadeiras estavam minhas amigas Poliana, Carol, Patrícia e minha namorada Larissa.

- Que bom - continuou Sônia - todos conhecem o Bruno. Muito obrigada Bruno. Pode se retirar com sua mãe. Depois te chamo de novo.

Nisso, eu e minha mãe saímos para uma salinha ao lado com tudo preparado. Minha mãe fechou a porta. Tirei a calça e vesti uma saia plissada do uniforme. Era curtinha e de xadrez vinho. A blusa foi trocada por outra feminina com detalhes na manga e na gola da mesma cor da saia e também com um lencinho ele volta da gola.

Sempre fui fascinada pelo uniforme das meninas. Acho lindo. E hoje estava usando pela primeira vez.

E pra completar, uma meia branca com coraçõeszinhos vinho e sapato de saltinho tipo sapato de boneca. Continuando minha mãe fez duas tranças no meu cabelo com lacinhos nas pontas. Passou um esmalte pink nas minhas unhas. Colocou meu brinco, pulseiras, anéis e me deu um presente que eu não sabia. Uma mochila da Barbie. Amei !!!

Enquanto isso se ouvia a voz da Sônia falando principalmente contra o preconceito com as pessoas trans. Ela falava muito bem, de modo que tanto crianças como adultos entendiam a mensagem.

Então ouve-se uma batidinha na porta falando que estava quase na hora. Rapidamente passei um blush e um batom como a Larissa tinha me ensinado.

Abrimos a porta e quando a coordenadora me viu ja de menina e maquiada, ela exclamou:

- Uau... é você mesmo Bruno?
- Não, sou a Bruna - disse dando uma risadinha pra disfarçar o nervosismo.
- Você tá linda demais !!!
- Obrigada, dona Lúcia.

Comecei a prestar atenção em Sônia que já estava falando a quase uma hora:

- Vocês devem estar se perguntando... porque estou dando essa palestra pra vocês? É porque entre vocês tem uma criança do jeitinho que expliquei...e peço o máximo de compreensão e respeito com essa pessoa. Pode vir Bruno, ou seja Bruna.

Meu coraçãozinho batia a mil. Fiquei mais tranquila quando senti a mão da minha mãe apertando a minha. E olhando pra mim com um sorriso ela disse apenas:

- Vamos filha !!!

Naquela hora sabia que não estava sozinha.

Quando entrei ouve-se um burburinho e várias exclamações de admiração. Quando olhei pra Larissa, ela mandou um beijinho pra mim. Linda demais essa menina.

Confesso que fiquei muito nervosa com toda aquela gente me olhando, pois todos me conheciam como Bruno. Quando ninguém me conhece, acha que sou uma menina cis. Sônia olhou pra mim e disse:

- Menina. Oque que é isso ?!!! Você ficou linda. Nunca tinha visto uma transição tão perfeita assim. Maravilhosa.

Estavam todos com cara de admiração. Então Sônia continuou:

- A partir de hoje ninguém vai chamar ela de Bruno e sim de Bruna. E vão se referir a ela como ela e não como ele. E também ela vai usar o banheiro feminino a partir de hoje. E por último. Os garotos que estiverem pensando em pedir a Bruna em namoro podem desistir. Ela já tem namorada. Lembram quando eu disse que identidade de gênero não tem nada a ver com sexualidade? Apesar de ser menina,  ela gosta de menina. Quer falar alguma coisa Bruna? - disse me oferecendo o microfone.

Peguei o microfone e após olhar pra toda aquela gente por alguns segundos, eu disse:

- Bom dia a todos e obrigada pela presença de cada um. Queria agradecer muito mesmo a você Sônia pelo seu carinho em vir aqui me ajudar a me apresentar como menina na minha escola, onde todos já me conheciam como Bruno. E quero agradecer acima de tudo a minha família que me apoiou em  todo tempo. Eu tenho a mãe mais maravilhosa do mundo.

Nesse momento todos aplaudiram enquanto minha mãe enxugava uma lágrima que lhe escapara. E continuei:

- Meu muito obrigada a minhas amigas Poliana, Carol e Patrícia que me incentivaram nessa transição e principalmente a Larissa, minha namorada querida que tem estado do meu lado todo o tempo. Te amo amor - disse eu mandando um beijinho. Ela retribuiu de imediato. Devolvi o microfone a Sônia, que disse:

- Eu é que agradeço a oportunidade de mais uma vez tentar esclarecer pras pessoas sobre quem somos e como nos sentimos. Quero parabenizar a Cláudia por ser essa mãe maravilhosa e a você também Bruna por se expor tão novinha assim. Desejo toda felicidade do mundo pra você.
- Obrigada- respondi.

Em seguida a diretora pegou o microfone:

- Obrigada a todos pela presença. E peço acima de todas as recomendações, o respeito a nossa coleguinha Bruna - e virando pra mim disse - Bruna, é a primeira vez que te vejo assim, e te digo que nunca imaginei que você fosse tão linda assim. Desejo todo sucesso pra você!

Mais uma vez agradeci pelo carinho.

Depois que terminou, todos queriam conversar comigo. Eu era o centro das atenções. Alguns só chegavam perto pra me ver direito. O Michel me abraçou e falou no meu ouvido:

- Se você não tivesse namorada e gostasse de menino eu ia te pedir em namoro.

Só dei um sorrisinho como resposta.

As minhas amigas foram as primeiras a me abraçar e ficaram admiradas com minha coragem. A Larissa me deu um selinho e ficou o tempo todo do meu lado.

Mas como nem tudo são flores, tem também a turma dos idiotas de plantão. Passaram e mexeram falando:

- Ei mulherzinha.
- Sou mesmo. Obrigada pelo elogio- disse eu, deixando eles sem graça.

Depois bateu o sinal avisando que a "festa" tinha acabado. Fomos pra sala e voltamos a nossa rotina. Quer dizer, rotinas pros outros alunos pois pra mim era uma nova etapa que estava só começando. Pela primeira vez entrei num banheiro feminino. Pela primeira vez eu me maquiei no espelho ao lado das meninas. Pela primeira vez eu andei de saia na escola. Pela primeira vez ouvia todo mundo me chamando de Bruna. Pela primeira vez podia usar minha unha pintada na escola. Pela primeira vez podia usar toda minha bijuteria  (colar, pulseiras, anéis, brincos). Pela primeira vez eu poderia me comportar como uma verdadeira menina, sendo delicada, meiga, carinhosa. Enfim, uma mocinha.

Diário de uma Menina TransWhere stories live. Discover now