Diário de uma Menina Trans

Bullying

O último elo que faltava foi completado, que era a escola. Agora podia ser menina cem por cento do meu tempo. Nunca mais precisaria vestir uma roupa de menino. Amava o uniforme da escola. Me deixava bem feminina.

Nunca pensei que em tão pouco tempo, eu teria uma transformação tão radical. Esse desejo já existia a muito tempo. Estava latente procurando uma oportunidade para desabrochar. O apoio das amigas e principalmente da família foi crucial. A Larissa nem se fala. É a beleza e bondade em pessoa.

Coisas tão simples pra meninas cis, mas que pra nós trans é uma delícia, como por exemplo, passar batom, escolher a cor do esmalte que vai passar. Também aprendi a ser mais comportada pois a saia e o vestido tem suas limitações. Tem outra coisa também. O uniforme de educação física é um shortinho de malha curtíssimo que é impossível não ficar uma beiradinha do bumbum de fora. Quando via as meninas com esse uniforme, ficava imaginando como eu ficaria usando um desses. Agora vou saber.

Teve uma hora que fui ao banheiro e uma menina da outra sala perguntou:

- Bruna, você usa calcinha ou cueca?

Resolvi responder só com perguntas:

- Você usa oque?
- Calcinha uai .
- Porque?
- Porque eu sou uma menina.
- É isso aí garota... nós somos meninas.

São perguntinhas bobas. As vezes é melhor levar na esportiva. Mas uma vez surgiu uma situação chata. Tinha levado a Larissa em casa, depois da aula e estava voltando pra casa sozinha quando me deparei com a turma dos idiotas da escola.

Igor, Chantal e Fabrício. Os três patetas só andavam juntos. Me cercaram na rua e já vieram com aqueles papos provocativos.

- E aí bichinha, que tal agente te dar uma lição pra ver se você volta a ser homem de novo?

Os outros riram da piadinha sem graça do Igor. Antes que eu pudesse falar ou fazer alguma coisa, ele me deu um empurrão e um dos dois colocou o pé atrás do meu fazendo eu cair sentada no chão. Em seguida ele veio se inclinando na minha direção com o punho cerrado e retraído pronto pra me dar um soco. Me encolhi indefesa.

De repente, vi um pé passando como um relâmpago próximo ao meu rosto pegando a cara do Igor de frente com toda força. O impacto foi tão forte que ele foi arremessado pra trás e caiu de costas desacordado.

Quando olhei era o Michel. Fabrício veio com tudo pra cima dele. Michel girou com facilidade saindo do soco de Fabrício e na sequência do giro, levantou o pé batendo com tudo no estômago do magrelo, que se curvou de dor. Imediatamente Michel deu um salto levando o pé bem alto e desceu com tudo na nuca do babaca, que se estatelou de bruços no chão. Chantal, que era o maior e mais forte dos três abriu os braços e veio com tudo pra cima do Michel, que se abaixou e soltou um soco poderoso nos testículos do brutamonte. Chantal já caiu no chão rolando de dor.

Fiquei pasma coma cena que acabara de ver. Parecia que tinha assistido uma cena de filme do Jet Li.

Michel agachou ao lado do Igor, agarrou o cabelo dele e disse:

- Se você encostar um dedinho sequer na Bruna, eu acabo com sua raça... você me entendeu?

Igor fica mudo meio grogue. Então Michel repete mais alto:

- Eu perguntei se você me entendeu - fala puxando ainda mais o cabelo de Igor.
- Entendi - disse Igor com a voz embargada.
- Assim está melhor.

Realmente...Igor e sua turma medíocre nunca mais me incomodaram.

Michel vai até mim e estende a mão pra me ajudar a levantar, dizendo:

- Está tudo bem, princesa?
- Sim, graças a você...nem sei como agradecer.
- Quando vi aqueles caras te incomodando o meu sangue ferveu nas veias.
- Nem sei oque seria de mim, se não fosse você...vou ser sincera. Se eu gostasse de menino, você seria o meu escolhido.
- Sério? - disse ele abrindo um sorriso.
- Se eu gostasse viu. Eu gosto de meninas tanto quanto você - enfatizei.
- Sim, eu sei, mas posso te levar em casa?
- Claro, vou querer sim.
- Bruna...desta vez eu estava por perto. Mas infelizmente existem muitos idiotas como esses. Seria bom se você treinasse uma arte marcial pra se defender.
- Isso que você fez é muito legal, mas gordinha como sou, eu não ia conseguir dar esses saltos assim.
- Eu treino Tae Kwondo. Prático desde os cinco anos. Mas tem outras modalidades. Pelo seu jeitinho acho que se daria bem no Aikido.
- Aikido?
- Sim. Pesquisa no YouTube e depois me fala. É a luta preferida das mulheres, já que não usa força bruta.
- Legal, vou pesquisar sim.

Fui até a minha casa na companhia de Michel, que foi muito atencioso e respeitador.

Quando cheguei em casa e contei pra minha mãe, ela ficou muito preocupada. Fui pesquisar sobre o tal do Aikido. Fiquei impressionada pela agilidade dos golpes. Parecia uma dança. Amei. O problema agora e achar um lugar pra aprender isso. Minha mãe fez uma pesquisa e descobriu um academia no o bairro Floresta. Não fica muito perto, mas disse que me levaria de carro. Lá tem uma vantagem. Quem me daria as aulas era uma mulher. É uma japonesa. Aprender com uma mulher vai ser bem
mais fácil.

Liguei pra Larissa e contei oque tinha acontecido. Ela ficou muito assustada. Mas também contei da minha decisão de aprender Aikido. Ela gostou da idéia e decidiu que queria aprender também. Se nós duas souber defender será mais difícil alguém nós atacar. Depois nossas mães conversaram um bom tempo sobre oque ocorreu e sobre a academia de Aikido combinando horário e preço. Ficou resolvido que teríamos aulas as terças e quintas a tarde.

Depois do almoço minha mãe mandou eu vestir uma roupa de sair.

- Onde vamos? - quis saber.
- É surpresa.
- Da uma dica mãe!
- Você vai gostar.
- Aaaah ! isso não é fica. Se a senhora falou que é surpresa, é claro que vou gostar uai !
- E uma coisinha que tá faltando no seu mundinho de menina.
- Não estou lembrada de nada.
- Vai gostar da surpresa.

Desisti de tentar adivinhar e fui me trocar. Vesti uma jardineira de saia rosa com um topper branco e sapatilha branca. Fiz um rabo de cavalo no cabelo, passei um batom rosa clarinho cintilante e algumas pulseiras coloridas.

Quando minha mãe me viu, ela disse:

- Nossa. Você tinha de ser menina mesmo. Tem excelente gosto pra combinar roupas. Você tá linda.
- Obrigada. Puxei minha mãe, sabia?
- Não brinca. Sério? Sua mãe deve ser muito bonita!!!
- Bonita nada, é linda !!!

Começamos a rir de nós mesmas de nossa conversa boba. Adorava essa sintonia de mãe e filha, a ponto de esquecer que já fui um menino. Agora sou linda, igual minha mãezinha querida.