Capítulo 2

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O casarão escuro me recepciona, cheio de familiaridade e carinho mesmo em seu silêncio, uma pequena lamparina em forma de joaninha iluminando sutilmente a entrada para me dar as boas-vindas. Sorrio e desligo-a, meus passos saem ecoando conforme atravesso o corredor e subo as escadas, a luz de meu telefone servindo de guia e prevenção de possíveis quedas. Meus músculos parecem ranger em conjunto à escadaria velha, o cansaço um incêndio em meu peito que sobe e desce rápido demais. Essa rotina vai me matar um dia.

Arisu...

Continuo subindo.

Claro que as crianças não conseguiriam me esperar acordadas; ouço-as roncarem através das portas fechadas do segundo andar, cansadas depois de um longo dia de estudos e brincadeiras.

Passo direto pelo quarto das cuidadoras e subo mais um lance de escadas, onde uma luz amarelada escapa pelas frestas da porta entreaberta no canto esquerdo. Arisu e eu somos as únicas crianças que têm um quarto separado das outras, um privilégio reservado aos orfanatos mais vazios. Arisu tem sua privacidade em grande parte do dia, mas gosto de casualmente invadir com mais um colchão sem forro e vários pacotes de bala depois do meu experiente. Dessa mesma forma, largo a bolsa no chão e vou de fininho, as botas ainda estalando no chão de madeira.

–Adivinhe, adivinhe – coloco a mão para dentro, movendo os dedos ao balançá-la. – Adivinhe quem está aqui, ainda à procura da princesa coelhinho...

Uma comoção vinda do quartinho, risadinhas satisfeitas e o som de cobertas balançando. Os passos de Arisu soam como tapinhas frenéticos no assoalho e, ali perto da porta, ouço o baú de fantasias ser revirado.

–Toma! – Uma mãozinha pequena encontra a minha, parcialmente coberta por um lençol fino e segurando um arco de orelhas de coelho.

Arisu tem um toque quentinho contra minha pele gelada, beijada pela noite fria e insensível de Tokyo. O inverno daqui pode não ser nada comparado ao que uma vez experienciei em minha terra, mas ainda assim...

É frio de recordação e nostalgia, uma lembrança já anestesiada, mas que sempre me acompanha.

No frio severo e a neve que cai, no cuidado e companheirismo.

Por breves instantes, sinto o ar familiar de... casa. O lugar onde deixei parte de mim para trás, anos no passado, com pessoas as quais jamais verei novamente.

Faz parte do crescimento. Aceitar.

Seguro a tiara com orelhinhas longas e brancas. Respiro fundo não é hora de pensar nisso. Minha cabeça começa a montar todo o enredo que construí para a história de hoje, e a expressão satisfeita de Arisu é a recompensa que almejo. É isso, eu tenho Arisu. Agradeço mentalmente vovó por ter me ensinado a criar e contar histórias. Arisu corre de novo ali dentro do quarto.

Coloco o arco na cabeça e me preparo.

–Depois de um dia muito longo e um atraso mais longo ainda – A vozinha infantil começa, a última parte soando bem irritada. Rio. Ela com certeza está segurando a escova de cabelo na frente da boca, como um microfone, enrolada nas cobertas e com uma coroa na cabeça. – A heroína finalmente retorna para casa. Super Bunny!

𝙍𝙀𝙌𝙐𝙄𝙀𝙈, 𝔒𝔨𝔨𝔬𝔱𝔰𝔲 𝔜𝔲𝔲𝔱𝔞Where stories live. Discover now