Capítulo 4

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Devo estar encarando o teto há mais ou menos quinze minutos, mãos cruzadas no peito, por cima de duas camadas de cobertas bem gordas. Meu corpo parece pesar tanto quanto um caminhão cargueiro no momento, penso quanto tempo a cama irá durar antes de ceder ao peso massivo de minha vergonha. Eu passei mal na frente de todo mundo. Por mais nebulosas que minhas memórias do incidente estejam, o gosto amargo e a blusa suja de Eiji são uma evidência firmemente cravada nas imagens que passam pela minha cabeça no momento.

Não só passei mal, como fiz um espetáculo gratuito ao vomitar tanto em Eiji quanto no chão. Deus, quanto sofrimento desnecessário, as coisas parecem só piorar para meu lado. Bem, ao menos, a notícia do dia de folga veio mais cedo para me alegrar.

Fecho os olhos e suspiro. Deveria ter vergonha de pensar algo tão egoísta; uma pessoa morreu e isso não é bem uma folga, mas um gesto mínimo de respeito à família. Realmente, o estudante frequentava o restaurante onde trabalho e estava apaixonado por alguém de lá; Sakura? Miko? Não tenho como saber. Depois de passar mal mais uma vez ao ler o e-mail (para cada notícia eu cuspo um órgão de meu corpo fora), pensei seriamente em fazer uma ligação para Sakura. Espero que ela esteja bem e não seja a envolvida nesse caso.

Só não espero mais que os feiticeiros cuidem do caso antes do amanhã chegar.

Agora estou aqui; fraca demais para fazer qualquer coisa senão deitar e encarar as paredes. Poderia ler um livro... mas os poucos exemplares que guardo em meu quarto estão no armário perto da cama de Arisu. Longe. O telefone está mais perto, em cima da escrivaninha ao meu lado, mas gostaria de evitar receber mais notícias indesejadas. Poderia dormir se ao menos tivesse sono.

Não tenho. Hm. Coisa boa.

Ainda estou encarando o teto quando Arisu vem chorando para dentro do quarto. O susto me faz sentar e abandonar a letargia em um pulo ao abraçar o corpo pequeno e trêmulo de minha irmã. Arisu choraminga frases emboladas, quase babando e sujando minha roupa de catarro ao afundar o rosto em minha barriga. Se ninguém a tiver contado boatos fantasmagóricos da escolinha de novo, a causa de seu choro com certeza sou eu.

–Arisu? O que foi? Arisu? – Afago seu cabelo loiro, cuidadosamente trançado por uma das cuidadoras. Provavelmente Kaori, ela é a cuidadora que mais tem tempo livre, e talvez seja por isso que ela ainda está escorada no batente da porta, trajando um olhar cheio de preocupação. Dizer "estou bem" não a convenceu mais cedo; Kaori é atenta como uma mãe de verdade e mentir é uma tarefa árdua na qual não sou muito competente.

É Kaori quem responde por ela.

–Ela cismou que você vai morrer quando dissemos que você está passando mal. – Claro. Nunca soube lidar bem com sua preocupação excessiva, mas isso não significa que não entenda o motivo das lágrimas. Arisu conheceu a solidão e o sentimento de abandono muito mais cedo que eu; traumas parecem transparecer com muito mais força em crianças.

𝙍𝙀𝙌𝙐𝙄𝙀𝙈, 𝔒𝔨𝔨𝔬𝔱𝔰𝔲 𝔜𝔲𝔲𝔱𝔞Where stories live. Discover now