Capítulo 19

336 39 52
                                    


Ekaterina

Acordo às cinco da manhã por conta própria, está frio e escuro, o nascer do Sol acontecerá em meia hora e isso dará início a mais um dia de treino. Não encontro disposição para sair da cama; os sonhos vazios e solitários parecem ter sugado toda a minha energia para as próximas horas. Sinto que andei em círculos a noite toda, gritando sem parar para que alguém viesse. Não me mexo, mas o colchão da cama afunda ao lado de meu rosto.

"Finalmente acordou"

A sombra se projeta para perto de meu rosto, um negrume espesso e possivelmente palpável, tão real quanto as lufadas frias de vento da respiração forte e calma da criatura. Respiro fundo contra o peso em cima de meu peito, fazendo mais esforço que o necessário para mover um mero mindinho. Paralisia, logo hoje?

"Você foi avisada." Sem feições no rosto enevoado e sombrio, reconheço a maldição pelo som de sua voz; tão semelhante à minha, ainda que exponencialmente mais assustadora e sobrenatural. Tento bater nela ou afastar sua presença sufocante dispersando sua escuridão, mas meus músculos parecem pedra, não dobram, não se movem. "Achou mesmo que seu treino acaba com a meditação? Você abriu o caminho para a sua mente mais cedo, deveria ter deixado as coisas como estavam se quisesse sua paz por mais tempo".

Fui burra? Nós erramos? Sinto tanto medo que as lágrimas passam a escorrer livremente pelas minhas bochechas sem meu conhecimento. Eu estou usando os amuletos, não estou? Como ela pode estar aqui agora? Eu não entendo. Rezo mentalmente para que qualquer pessoa apareça na minha porta; um Yuuta preocupado, uma Arisu com saudade, talvez Gojo para conversar sobre o treino de ontem.

"Seus amuletos ainda nos impedem de tomarmos seu corpo, mas agora são ineficazes contra nossa influência em sua mente." A sombra toca minha testa com a sua própria; o espaço vazio destinado aos seus olhos se resume a uma cratera branca e sem fundo e, de alguma forma, sinto estar encarando meu próprio reflexo no vácuo deprimente e ameaçador. Os amuletos vão me proteger de sua possessão, mas vou ter de conviver com elas assim para sempre? Os suspiros apertam minha garganta a cada tentativa de captar o ar com mais eficiência. Por quê? Por que essas coisas têm de acontecer comigo toda vez?

"Mas veja; agora você tem a companhia de quem pode te compreender." Estão zombando de mim. Um sorriso branco se abre em meio a escuridão. "Nós compreendemos seu sofrimento, suas dúvidas, os seus medos. Nós somos aquelas que te fazem questionar e pensar com clareza na realidade. Podemos ser seu incômodo pessoal, mas o que na sua vida ainda não se tornou um obstáculo para a sua realização, Ekaterina? O que te impulsiona a continuar de forma verdadeira, em busca de um futuro melhor que aquele que te foi prometido?"

Me pergunto se realmente estou vivendo melhor que meus antepassados. Minha avó esteve enganada o tempo todo, afinal, como poderia fugir daquilo que ela mesma não foi capaz? Realmente, não tenho impulso, nem vontades o bastante para me manterem viva por muitos anos além. Eu disse a mim mesma que daria à Arisu a vida perfeita para a construção de um futuro perfeito – mas em nenhuma das minhas visões eu realmente estava ao lado dela ou de sua nova família. No fim, agora entendo como minha avó durou tão mais quanto os outros, para então sucumbir facilmente em questão de dias.

Ela não se sentia mais necessária, não é?

Depois de cumprir seu papel como mãe e avó, nada mais lhe restava.

Ah, vivemos muito pelos outros, não vivemos?

Fecho os olhos.

"Os únicos momentos em que você se sente a verdadeira protagonista de sua vida, é quando os outros sentem pena de você, não é?"

𝙍𝙀𝙌𝙐𝙄𝙀𝙈, 𝔒𝔨𝔨𝔬𝔱𝔰𝔲 𝔜𝔲𝔲𝔱𝔞Where stories live. Discover now