Capítulo 1

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— Lys, pega o casaco, começou a chover — minha mãe interrompe meu devaneio, entrando no quarto.

— Filha, vai ser maravilhoso. Nos vemos nas férias de natal e aposto que terá muitas coisas para contar. — Ela diz descendo as escadas arrastando minhas malas.

— Minha mãe tentando soar otimista é triste.

— Prometo tirar muitas fotos e ligar muitas vezes. — Sorrio para ela.

Do hall da casa onde vivi minha vida toda, observo pela última vez os degraus gastos que acompanham o corrimão para o segundo andar. A casa que minha mãe tem tanto orgulho de ter conquistado para nós duas. Na parede ao lado direito, um quadro com uma foto recente da formatura, remete a uma lembrança rápida da noite agitada de baile que minhas amigas e eu tivemos. Sinto minhas bochechas queimarem ao lembrar do embaraçoso plano de não deixar a escola sem antes ter estado com um garoto. Aquilo foi ridículo.

— Lys, — mamãe me chama pela segunda vez — o sr. Charper já tirou o carro da garagem, você precisar ir, agora.

Minha mãe sai para falar com David, nosso vizinho. Ele é o que chamamos de faz tudo na vizinhança. Alto de cabelos volumosos e barba por fazer, o tímido David Charper é do tipo dos sexy e rústicos. Ele vai me dar carona até o aeroporto, por isso minha mãe se apressa em levar as malas até a calçada. Observo como David se esforça para parecer natural diante de minha mãe, mesmo depois de tantos anos. Está claro para qualquer um que ele tem uma queda por ela.

— sr Charper, obrigada por deixar Lys no aeroporto — minha mãe sempre formal com o homem que ela conhece há mais de uma década deixa-o ainda mais embaraçado. Coitado!

— Emma,​​ não tem que agradecer. — Ele diz fechando o porta-malas do carro.

— Filha, avisa quando chegar. Eu te amo! – a figura magra de cabelos loiros naturais e baixa estatura, naturalmente elegante, aparenta cansaço e tristeza. Ela me dá um abraço nada demorado e um nó se forma em minha garganta. — Eu te amo mãe! — digo isso, me esforçando para não chorar, mas é tarde demais e salgadas gotas invadem meu rosto, unindo meus volumosos cílios, formando uma massa de pelos espessos.

Vacilante, entro no carro de David que tem o motor ligado e tenta algum contato visual, eu o ignoro dominada pela vontade de sair correndo em direção a minha casa e eu evito olhar para trás. Parecendo ler meus pensamentos, ele arranca, saindo antes mesmo que eu termine de por o cinto. Pelo retrovisor vejo Emma Brooks acenando com uma mão enquanto a outra cobre a boca para abafar o choro. Partiu meu coração pela vigésima vez no dia. Viro a cabeça antes de virar a esquina, aceno, vejo minha mãe e nossa pequena casa azul no 32 da rua Burth, ficando para trás e como nos filmes, eu choro lágrimas tristes e abafadas, sem fazer barulho.

Capturo e memorizo cada detalhe de Spokane onde passei a maior parte da vida. Vejo o shopping que minha mãe vinha comigo, correndo porque sempre tinha um plantão que a fazia se equilibrar para passar tempo com a filha ao mesmo tempo que garantia o sustento da casa e mesmo com César ajudando-a quando soube de mim, ela sempre fez questão de poupar tudo para minha educação.

David para no sinal vermelho em frente a melhor pizza da cidade, onde trabalha Matt, que estará para sempre em minha memória. Só não decidi ainda se por ter sido o primeiro ou por ter sido tão ruim a ponto de congelar todas as minhas expectativas sexuais.

O melhor Starbucks do estado de Washington ficou na última esquina que David virou, e eu recodo as tardes com Denise e Barbra, minhas melhores e únicas amigas desde que me reconheço como indivíduo. Parecendo ser capaz de ler o que penso, David dirige de forma calma, proporcionando-me registros e memórias. Contornamos a escola primária e recordo-me de quando conheci Denise no primeiro dia de aula. Eu tinha acabado de me mudar, ela sentou ao meu lado e não trocamos uma palavra. E assim foi durante uma semana, até o dia em que uma professora nos deixou dentro da sala por mais de uma hora sozinhas, forçando-nos a aprender a trabalhar em dupla e nunca mais paramos de nos falar. Formamos o trio no primeiro dia do quinto ano quando Barbra disse que dus garotas sentadas no chão do pátio da escola, ignorava a existência dos demais, chamara sua atenção

— Vou cuidar e fazer companhia para ela, não se preocupe Lys. — David interrompe meus pensamentos, tentando confortar.

—Eu sei, — eu limpo os cantos dos olhos — mas é triste, apesar de eu estar feliz.

Ele me olha com seus grandes olhos cor de mel e vejo o pesar estampado no bonito rosto de pele naturalmente bronzeada. Acho que David é o único homem bronzeado na fria e nublada Spokane. Eu desvio o olhar quando chegamos a estrada, dando a entender que não quero continuar falando e ele parece entender. Continuo olhando as ruas pela janela do carro, pensando em como minha mãe vai se enfiar no trabalho sem eu para exigir um tempo livre ou dar um passeio alegando ser sua única filha. A enfermagem é a vida dela e sem eu por perto será só o trabalho. Fico triste por ela, porque é tão bonita e jovem mas nunca a vi se interessar por alguém.

David reduz a velocidade 15 minutos mais tarde quando nos aproximamos do aeroporto onde ele trabalha como controlador de tráfego aéreo, e depois de contornar o estacionamento, me deixa nas partidas do terminal internacional.

Um tremor corre da minha barriga para a cabeça, indo em alta velocidade para as pontas dos pés. Minha vida começa agora.

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