2 - Uma quase reunião normal de adoção

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Quando você entra em uma sala para que os pais adotivos "te conheçam", funciona assim: tem você e mais algumas crianças, e todos tentam impressionar os quem sabe futuros papais. A diretora e os candidatos a pais já sabem quem vão escolher. Aquilo só seve para, caso aconteça deles não irem com a sua cara, você não ter o trauma de ter sido descartado. Como se as crianças que ficam para trás depois não se sentissem horríveis por não serem escolhidas.

Por isso, quando a diretora falou que um casal veio só para me ver, eu soube que tinha algo errado.

Estava sentado na sala de espera da diretoria com a Mara. Ela era a assistente da diretora. Pelo que ela me disse, devia estar fazendo estágio de serviço social. Mas quando chegou ali, a Pereira fez a coitada fazer se tudo e mais um pouco. Mara costumava dizer que era mais escraviária do que estagiária (ela me garantiu que essa palavra existia). Isso me revoltava um pouco. Sabia que o fato dela ser negra não tinha nada a ver. A Pereira abusava de todos, era só ela ter oportunidade.

Mara estava ali para garantir que eu não fugisse. Mas ela era gente boa demais. Não ia ferrar com ela tentando escapar. Talvez fosse porque, com vinte e três anos, não era totalmente adulta.

E, pensando bem, talvez fosse o fato de eu gostar da Mara que fez a Pereira mandar que ela cuidasse de mim.

Não tive tempo de pensar a respeito. A diretora saiu da sala dela, toda sorridente. Estreitei os olhos. Tinha mesmo algo estranho acontecendo ali.

- Entre Miguel, estamos prontos para te receber.

Entrei desconfiado na diretoria e vi o tipo dos coroas que me esperavam. Dois branquelos, ele vestido de social e ela de vestido. O que faltava em cabelos na cabeça do cara, a mulher compensava em maquiagem.

Olhei para a diretora Pereira.

- Cê tá tirando comigo. Tirou esses aí da WandaVision?

O cara ergueu a sobrancelha. Sempre achei bizarro quando os velhos carecas fazem isso.

- O que quis dizer, jovem Miguel?

Olhei para ele e reprimi a vontade de revirar os olhos.

- Mala aí, tio. Mas parece que vocês saíram de um comercial antigo. Tipo os primeiros episódios de WandaVision, manja?

Ele não manjava. Estreitou as sobrancelhas. Mas a tia sorriu.

- Eu assisti essa série. Realmente, viemos muito formais. Mas faz parte de nosso dia a dia, então não ligamos muito.

A velha diretora ficou sem ter onde enfiar a cara. Foi engraçado. Mas ela logo se recompôs. Olhou para os tios.

- Senhor e senhora Sgarbi, esse é o Miguel Oliveira, o garoto que vocês querem conhecer.

Sem puxões de orelha ou aviso de castigo iminente? O que tava acontecendo? O que fizeram com meu orfanato?

Os Sgarbi me olhavam como olhariam para um cachorro ou bezerro. Avaliavam se valia ou não a pena me adquirir. Nada diferente das outras vezes. Só tinha algo estranho naqueles dois. Tipo, todo adulto é estranho. Mas eles... tinham uma energia esquisita. Não ruim, só... esquisita.

O Sr. Sgarbi balançou a cabeça algumas vezes.

- Melhor aluno no colégio em história e geografia, nas demais matérias notas na média, e como esporte, faz capoeira. Algo mais que gostaria de nos dizer sobre você, Miguel?

Fiquei um pouco sem reação. Não costumavam me fazer esse tipo de pergunta. Normalmente era "gosta de futebol", "que time você torce", "curte vídeo game"? Os adultos tentavam perguntar o que achavam que queríamos responder. Queriam ganhar pontos conosco. Mas esse cara...

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoWhere stories live. Discover now