12 - Eu quase vejo a colônia de férias

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A primeira coisa que passou pela minha cabeça, quando ouvi o que Carlos disse, foi que tinha quebrado meu recorde. Em menos de vinte quatro horas eu. já estava em minha segunda casa adotiva.

Enquanto acompanhava Carlos e seus amigos para a Colônia de Férias Mbaraca, o sentimento veio. A antiga sensação de que era hora de dizer adeus à casa dos Sgarbi. De que, dali em diante, as coisas só iriam piorar. Esse era um dos meus lemas. Melhor rejeitar do que ser rejeitado. Era a lei dos que chegavam à adolescência sem ser adotado. Isso era ser adolescente em uma Casa Transitória.

E se tinha como algo piorar mais do que mitológicos destruírem uma mansão, sinceramente, não consegui pensar em nada.

Olhei para as meninas. Sofia mantinha a expressão inalterada, até que via algo tecnológico incrível e arregalava os olhos, fazendo inúmeras perguntas para a garota com a manopla do Homem de Ferro. Já Luiza...

Luiza estava dividida entre ficar deslumbrada com o lugar, emburrada, e com um sentimento que eu conhecia bem, embora ela tentasse esconder. Algo que fazia parte do meu dia a dia. Dava para ver nos olhos dela. Luiza estava com medo.

Eu entendia, de verdade. Ou achava que entendia, pelo menos. Luiza achava que o mundo mágico se resumia aos bruxos. Descobrir um mundo onde semideuses e folclóricos viviam devia ter abalado a garota. Não que isso desse o direito dela ser babaca. Mas eu entendia o sentimento. Não tinha conseguido processar que haviam deuses, semideuses, bruxos e mitológicos andando por aí. Se pensasse muito, tinha certeza de que iria pirar.

- Muita coisa pra processar? - perguntou Carlos.

- Não, não... de boa - respondi.

Carlos ergueu uma sobrancelha e deu um sorriso sínico. Não do tipo que eu recebia antes das surras dos moleques mais velhos. Era mais como se ele soubesse que eu escondia algo. Não sei o porque, mas não consegui evitar que a resposta verdadeira escapasse da minha boca.

- A verdade é que... isso não é pra mim. Quer dizer, tá certo que existem deuses e monstros. Mas eu, ser filho de um? Onde ele esteve todo esse tempo?

- Te entendo cara - falou Carlos. - Passei minha infância sendo criado pela minha avó. Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos. Só descobri que minha mãe era uma deusa quando tinha treze anos. Não foi fácil aceitar que deuses existiam. Muito menos engolir que era filho de uma. E depois que você aceita? Não fica nem um pouco mais fácil.

Eu entendi o ressentimento na voz de Carlos. Porém, ele teve alguém que o acolheu e cuidou dele. A vida de casa em casa adotiva era prova disso.

Andamos um pouco em silêncio. Agora que não tinha ninguém tentando me matar, minha mente de Miguel viajou. Foi como se ela estivesse se adaptando à nova realidade. Resgatando coisas que ficaram escondidas no fundo de minha mente.

Me lembrei da semana que meu pai morreu. Da noite do acidente. Ele chegou em casa assustado, ofegante. Me disse para correr para a casa da vovó, nos fundos. Quando perguntei porque, ele disse apenas que um Tutu estava atrás dele. Agora, não sei você, mas quando alguém fala de tutu, imagino um virado de feijão com farinha. Lembro de perguntar para meu pai se era um tutu de feijão. Meu pai sorriu, e mesmo com cinco anos, eu soube que algo estava errado naquele sorriso. Um beijo na testa e um apertão no nariz, seguidos de um "eu te amo", foram as últimas coisas que eu ouvi de meu pai. Ele me empurrou para fora e eu obedeci. Corri para a casa da minha avó, enquanto um urro de gelar a espinha me acompanhava.

- Miguel.

Pisquei algumas vezes. Minha vista estava embaçada.

- Miguel, você tá bem?

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora