11 - Um quase treinador de Pokémons Folclóricos

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Era uma pena que eu fosse morrer tão jovem. Tinha tanto a contribuir para o mundo. Nem tinha dado meu primeiro beijo, embora, agora que eu falei, me toquei de que deveria ter ficado calado. Vou contar com sua discrição, beleza?

Voltando ao assunto, que era… ah, sim! Minha morte iminente graças à bocuda da Luiza.

Eu não queria acreditar que as coisas que ela disse existiam. Famílias bruxas, órgãos regulamentadores de magia… se eu não tivesse visto ela fazer magia, e voar em uma vassoura (Vassorito era muito desconfortável, e tinha sumido do nada no meio da confusão, algo que eu demorei a perceber), jamais engoliria aquele papo.

Por outro lado, eu estava perto de um cara que se dizia um semideus. Além da aura maligna, que emanava do sujeito, ele era só mais um cara comum. Um cara comum com roupas africanas e colares de missangas. Tirando que Augusto parecia prestes a me transformar em polpa de Miguel, eu passaria por ele sem olhar duas vezes. Tá, talvez eu olhasse, por causa das roupas estranhas. Mas eu sentia que aquele sujeito poderia me destruir. Era como se eu pudesse identificar o nível de perigo dele. Tipo assim, do nível do Tanos com a Manopla do Infinito.

Como você pode ver, meu nível de credulidade tinha mudado bastante.

Augusto abriu a boca para falar algo. Me coloquei na frente da Luiza, que estava paralisada. Eu sei, na hora de mostrar a magia, a abençoada congela. Mas eu não podia culpá-la. Aquele cara exalava destruição dos poros. Eu tinha certeza que ele diria uma maldição que nos transformaria em mulas sem cabeça. Ou pior, mulas com cabeça. E eu não estava pronto para ser como os valentões do abrigo.

Antes que ele formasse as palavras, uma voz falou de algum lugar atrás de mim.

— Ora, ora. Aí estão vocês. Finalmente os encontrei.

De trás da árvore em que estávamos encostados, surgiu um cara. Devia ter uns vinte e cinco anos, ou uns trinta. Para mim, era velho, mas nem tanto. Era negro, como eu, mas nunca você falaria que parecíamos. Enquanto eu era a descrição do nerd ideal, ele era descontraído. Tinha um sorriso fácil, que parecia refletir nos olhos. Usava uma camiseta preta com o nome da Colônia de Férias Mbaraca, e uma bermuda cinza. Tinha a cabeça raspados dos lados, e um topete bem grande em cima. Subia usando uma bengala bonita, preta.

Ele parou do meu lado e piscou para mim. Luiza soltou arquejou ao meu lado quando o viu.

— Obrigado por cuidar deles até aqui, Pajé Augusto — o rapaz estalou os dedos. — Quase não fui avisado a tempo de que tínhamos visitantes.

O sorriso demoníaco (isso existe) de Augusto tinha sumido. O ódio que ele sentia pelo recém chegado era quase sólido.

— Carlos. Esse assunto não é da sua conta.

Carlos se colocou na frente de Luíza e eu, casualmente. Mexeu com os dedos, e partículas de água saíram do solo e começaram a dançar ao redor de sua mão.

— Ora, ora, diretor. Sou o responsável pela segurança do nosso lar, além de ser o líder da Comunidade de Visitantes. Creio que a presença das crianças é sim, de minha conta.

Augusto deu um passo à frente. O ar pareceu mais gelado. Luiza e eu nos achegamos mais, um ao outro. Antes que o diretor respondesse, alguém caiu. Literalmente. Uma garota caiu do céu, ajoelhada, em uma versão do Homem de Ferro. Não tô falando só da pose ao cair de joelhos. Ela usava uma manopla na mão direita, verde metálica, que podia ser uma das invenções do Tony Stark, se ele tivesse algo construído no estilo africano. A manopla tinha símbolos tribais pintados no metal.

Ela apontou a palma da mão para Augusto. Tinha um tipo de lente nela, que começou a pulsar em energia branca. Os olhos dela contrastavam com sua pele negra, já que eram brancos. Incluindo as íris. Os cabelos compridos eram cacheados. Para meu espanto, não devia ter mais que a minha idade. Ela não disse nada, mas olhava fixamente para Augusto. O sorriso zombeteiro voltou à boca dele.

— Seu bichinho de estimação está sempre por perto, não é Carlos?

— Seus bichinhos, diretor — falou uma voz à minha esquerda. — Por favor, também estou na área.

Olhei pelo caminho que viemos. Se aproximando por ele, vinham a caipora Dairene com minha irmã. À frente delas, segurando um arco dourado, estava um cara musculoso. Seu corpo negro e suado era todo tatuado, e sua cabeça pegava fogo. Um suor gelado desceu pelo meu pescoço.

— Um curupira — susssurrei.

A lembrança do Adriano, o curupira que armou pra mim no colégio voltou com tudo. Mas eu não ia deixar isso me abalar. Augusto já me deixava apavorado além da conta.

Eles se movimentaram e cercaram Augusto. Sofia veio para o meu lado, mas até ela percebeu o clima e ficou quieta.

Um minuto tenso se passou sem que ninguém dissesse nada. Então a energia em volta de Augusto voltou a ficar azul. Ele inclinou a cabeça para Carlos.

— Boa jogada, moleque. Veremos por quanto tempo pode sustentar isso. Só não acabo com você agora…

— Porque não conseguiria — falou Carlos, olhando as gotas d'água que brincavam em volta de sua mão. — Sabe que sou o warg mais poderoso de Mbaraca. E meus amigos, bem… poucos guardiões da floresta chegam ao nível de poder desses três, e você sabe disso.

— Sem falar que uma luta entre vocês seria desastrosa para a publicidade do lugar — falou Sofia, com a mão no queixo. — E o recursos humanos não aprovaria pancadaria no serviço.

Todos olharam para ela. Dairene e a menina com a manopla franziam as sobrancelhas. O curupira sorria e balançava a cabeça. E Carlos, bem, ele caiu na gargalhada.

— Eu adorei você, Sofia.

— É lógico — ela disse, ajeitando o óculos. — Eu sou adorável.

O curupira também riu. Dairene e a menina sorriram. Augusto… bem, ele cerrou os olhos.

— Isso ainda não acabou.

Dizendo isso, ele sumiu em fumaça azul.

Carlos se virou para nós e seu sorriso sumiu.

— Vocês arranjaram um inimigo e tanto, crianças.

Eu queria dizer que foi ele quem começou, mas não foi. Me virei para Luiza. Ela inspirou para soltar alguma frase de "bruxos são os reis do mundo". Achei melhor corta-la. Não seria inteligente irritar as pessoas que nos salvaram

— Luiza, fica na sua — soltei. — Quase fomos mortos por causa das suas baboseiras. Então guarda todo esse lance de bruxos pra você, pelo menos até irmos embora.

Ela fechou a cara. Depois eu resolvia esse problema. Tinha coisas mais importantes em mente. Olhei para Carlos.

— Olha,tudo isso foi um mal entendido. Se puder nos dizer como saímos desse lugar…

Dairene deu um sorriso torto. O curupira rolou os olhos. A garota versão Coração de Ferro passou a mão no rosto. Talvez, embora eu possa ter entendido errado, eles tenham achado que eu falei besteira.

Uma das sobrancelhas de Carlos subiu. Ele me deu um sorriso triste. Agora eu tinha certeza de que tinha falado uma besteira.

— Sinto muito, Miguel — Carlos disse, suspirando. — Mas você não entendeu muito bem onde se meteu. A partir do momento que você foi atacado, sua casa e sua família se tornaram um alvo. Quem orquestrou o ataque não vai parar até encontrar você.

Senti como se ele tivesse me dado um tapa. O olhar dos amigos dele eram de solidariedade e dó. Luiza arregalou os olhos, segurando sua varinha com força. Sofia… bem, ela ajeitou os óculos.

Eu não queria, mas me forcei a perguntar.

— O que você quer dizer?

Carlos colocou a mão no meu ombro.

— Que a Colônia de Férias Mbaracá agora é a sua casa. A de vocês três.

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora